Bolsonaro, Executivo Federal e o golpe de 1964

A vida brasileira é no mínimo complicada. Enquanto o país sofre com uma crise sanitária sem precedentes, o Governo afunda nas abas do Centrão e comemora o golpe de 1964. Hoje, Bolsonaro é um paciente intubado, precisa do Centrão para respirar.




Colunas, Paulo Junior

2021 parece correr, caminha com pressa na busca de uma solução ao quadro atual. Caminha como quem acredita que o amanhã trará a resposta não dada hoje. Em 31 de dezembro de 2020, está coluna em texto crônica ensejou a chegada do ano novo. No entanto, o novo ano já está próximo de atingir a meia idade, e defronte a isso, o que se nota é o seguido esfacelamento do Estado e da sociedade. Dia após dia se vê um absurdo, um novo aceno irreal para aquilo que não se consegue atingir sequer o abstrato.

Na última semana se viu uma troca considerável na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, Bolsonaro demitiu e realocou seis ministros, a maior mudança desde o início de seu Governo. O atual chefe do executivo federal também se tornou o presidente que mais trocou ministros no mesmo período, foram 24, superando a ex-presidenta Dilma Rousseff, que havia realizado 20.

Uma das principais mudanças ocorreu no Ministério da Defesa, saiu General Azevedo e Silva, e assumiu Braga Netto, que deixou a Casa Civil. Azevedo deixou o cargo por meio de nota bastante subliminar, afirmou que manteve as Forças Armadas como instrumento de Estado. A fala do ex-ministro deixou evidente o desejo de Bolsonaro de intervir no Exército, Marinha e Aeronáutica. Bolsonaro quer que os generais estejam subordinados a política, ao invés de cumprirem objetivamente o seu dever constitucional.

Bolsonaro sonha com a parceria militar para construção de novo ataque a jovem democracia brasileira. Nessa linha, manteve as indescritíveis notas de apoio ao golpe militar que assolou o Brasil por 21 anos. Em primeira comunicação como Ministro da Defesa, Braga Netto optou por classificar o encarceramento que a democracia nacional sofreu em 1964 como movimento histórico nacional, por isso deveria ser lembrado e comemorado.

Talvez soe repetitivo reafirmar algumas coisas que deveriam estar no campo do óbvio. Não há motivos para comemoração, para festejos. Não há motivos, porque cercear liberdade não traz sorrisos ou lembranças felizes. Não há motivos para comemorar a morte ainda não esclarecida. Não há motivo para alegrar-se com a censura vivenciada. Não há motivo para comemorar o exílio, o silêncio e intervenção.

A lembrança é justa, sim, é preciso lembrar. Lembrar para que a sociedade nacional saiba verdadeiramente o que ocorreu nos anos de chumbo. Lembrar para que se saiba a dor daqueles que lutaram. Lembrar para que não seja necessário ver os que clamam pela volta do fim. É preciso lembrar para que todos saibam para onde não se deve voltar.

Comemorar o golpe de 1964 é comemorar em automático a morte da democracia brasileira daquele período, é ensejar o seu fim no momento atual. Felizmente, como incompetente que se mostra, Bolsonaro segue incapaz. Incapaz até mesmo para articular um golpe. Mirando o autoritarismo abriu a maior crise institucional entre o executivo federal e as Forças Armadas dos últimos 50 anos. Assim, Bolsonaro segue se apequenando, segue tornando-se menor que um dia já fora, segue rumo ao abjeto.

Centrão

Como elaborou esta mesma coluna durante as eleições para os novos presidentes do Congresso Nacional (Câmara e Senado), Bolsonaro teria a partir dali de conviver com as duras cobranças do Centrão. Tendo aberto a porteira do fisiologismo, pontua-se que as mudanças na Esplanada são também parte da fatura.

Ignóbil inconteste, Bolsonaro pensou de modo vão que conseguiria se safar do fisiologismo dos partidos do Centrão. Imaginou que ele, como garoto centrão, conseguiria manobrar as raposas que ali estavam. Como esperado, enganou-se.

O fisiologismo centrista busca apenas uma coisa, em uníssono, garantir os seus regalos, desejos. Garantir a sua permanência nos espaços de poder, mando e decisão. O Centrão está entregando faturas altas a Bolsonaro, obrigando-o a alterar seu cronograma de idiossincrasias. E assim, ele vem se mostrando repetidamente como um político de pouco feitio a vida pública.

Hoje em dia, o presidente da República está ligado ao Centrão como se estivesse em balão de oxigênio, precisa dele pra respirar, para manter alguma base, para travar um processo de impeachment que pode surgir. Entretanto, enquanto o Planalto servir de ancoradouro ao navio de Arthur Lira e companhia, não se verão crimes de responsabilidade, o Congresso seguirá de vendas postas, enquanto a população, via de regra, padece.

Covid-19

No mesmo momento em que o Governo Federal comemora o golpe de 1964, no Brasil de abril de 2021 já morreram mais de 331 mil pessoas de Covid-19. E o país já registra quase 13 milhões de infectados oficialmente.

Renato Russo cantou em um de seus maiores sucessos: “temos todo o tempo do mundo.”. Porém, no Brasil de 2021 o tempo é escasso, quase tão escasso quanto a responsabilidade do governo federal. Em semana de Páscoa o presidente achou por bem criticar, novamente, o isolamento. Achou por bem seguir na sua rixa com prefeitos e governadores.

O tempo hoje está contra o Brasil, o país demorou muito para adquirir vacinas, para resolver apostar naquilo que é real e verdadeiro, a ciência. Tempo demais para esboçar uma reação que indicasse algum encaminhamento objetivo. E agora, que poderia haver endereçamento para isso, o presidente permanece julgando sensato descreditar o isolamento social. Segue achando sensato o atraso nos pagamentos de novas parcelas do Auxílio Emergencial. Enquanto o presidente gasta R$2,4 milhões nas férias de fim de ano, o cidadão, por ora, deve contentar-se com a rasidão de pensamento daquele que deveria ser líder, com um sistema de saúde em estafa e com um auxílio que demora e desidrata.

E assim os dias vem correndo, 2021 passa como se estivesse louco para findar. Corre porque é difícil compreender que ao invés de agir para salvar vidas, o executivo federal julgue prudente comemorar o golpe de 1964.