Um mês de CPI Covid-19

Depois de um mês de trabalho, a CPI da Covid-19 tornou-se um grande reality show. Momentos marcantes já se encontram na memória nacional, e está cada vez mais clara a ausência do Governo no combate à pandemia. O reality duraria três meses, mas deve se alongar.




Colunas, Paulo Junior

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 tem se transformado em um verdadeiro reality show. Este programa já está no ar a pouco mais de um mês, e na atual conjuntura já ofereceu importantes momentos aos seus espectadores. Após um mês de CPI os caminhos trafegam para construção de um relatório, no mínimo, desfavorável ao Governo. Desfavorável, pois exprimirá as camadas de incompetência praticadas pelo Palácio do Planalto durante o enfrentamento à pandemia. O reality show em destaque, como a maioria, tem duração programada de três meses, porém, tudo indica que a temporada será estendida.

Nestes primeiros capítulos alguns personagens chamaram bastante atenção, de Mandetta, Teich, Queiroga a Mayra Pinheiro, até Nise Yamaguchi e especialmente Eduardo Pazuello. Todos eles estiveram durante horas sendo confrontados pelos senadores membros da CPI. Confrontados com o que disseram e o que poderiam ter feito, com o que pensam, como leem o atual quadro da realidade.

Os depoimentos, um atrás do outro, vem deixando expresso as lacunas inquestionáveis do Governo Federal, em algumas situações há um ajuntamento considerável de repulsa. A existência de um gabinete paralelo de orientação para medidas de combate à Covid-19 seria ultrajante, se não fosse bizarro. Afinal, é surreal que um país ouse desqualificar as autoridades de saúde por ele constituídas. O Planalto nomeou diferentes Ministros da Saúde, porém, seguidamente mantinha um aconselhamento lateral. Aconselhamento que vem se consolidando inútil e mortífero.

Há algumas perolas proferidas durante este um mês de programa, os espectadores mais atentos, certamente, lembrarão. Pazuello disse que saiu com missão cumprida, mentiu abertamente, falseou dados, derivou a realidade. Já  Fábio Wajngarten sofreu ameaça de prisão em plena CPI, ganhando, inclusive, uma breve lição moral do presidente, Omar Aziz (PSD-AM). Coisas de só acontecem no Brasil de 2021, ou seria 2020? Talvez 2018.

Entre os momentos marcantes, cita-se o depoimento de Mayra Pinheiro, conhecida como capitã Cloroquina. Mayra manteve-se fiel à cartilha bolsonarista, mas recorreu ao STF para não falar sobre a situação absurda que atingiu o estado do Amazonas. Mayra foi confrontada com suas declarações, tentou justificar posições vagas de ciência, pouco conseguiu. Recentemente a médica Nise Yamaguchi, que foi considerada para o posto de ministra da saúde, foi constrangida ao não expressar domínio sobre as características do vírus causador da Covid-19. Em algum lugar, neste momento, alguém deve estar se questionando a diferença de vírus e protozoário, talvez a própria doutora Nise.

A CPI Covid-19 vem escancarando a incapacidade do Governo federal em articular objetivamente o combate à pandemia. Demonstrando com ares de reality show um desejo de eliminação. Mas, nessa eliminação patrocinada pelo executivo federal não há espaço para o pós tombo. Não há espaço, porque não existe pós. A ausência do Governo Federal é mortífera, e as mortes ainda estão acontecendo.

Bolsonaro é a própria crise, ele é e gosta do caos, envolto na desordem, no desmanchar lento do que ele ainda chama de Governo, ele planeja dar circo ao povo. Mas a elevação da tenda tem aberto novas partes para a explosão.  A Copa América no Brasil é apenas a marca de uma gestão que tem pouco a entregar, mostrar, e que sem bandeira para defender, necessita de uma distração. Copa América é circo para o povo que assiste a CPI. É a tentativa desesperada de diminuir a audiência do reality da concorrência.

Em um mês de trabalhos o tom da Comissão já está posto, os membros já se posicionaram e é possível ver claramente os que ainda estão no barco governista. Alguns ainda tentam, mesmo no barco, produzir um mínimo de razoabilidade, outros já se entregaram à narrativa do hediondo e, aparentemente, não planejam largar. Na narrativa do hediondo é impossível não lembrar do senador cearense, Eduardo Girão (Pode-CE), questionando o diretor do Instituto Butantan sobre a presença de células de feto abortado na composição da vacina Coronavac.

Muito de irreal ainda está por vir. O Governo agirá para tirar o foco da CPI, mas não consegue, pois nomeia Pazuello para um cargo no Planalto e usa da cadeia de rádio e televisão para falsear a realidade. O pronunciamento de Bolsonaro na última quinta-feira, 2, é o pronunciamento do atraso. O discurso em favor da vacinação deveria ter sido construído ainda em 2020, para que em 2021 não fosse necessário correr contra o tempo e, mais uma vez, observar a crescente dos dados da pandemia. Somente ontem, 6, morreram 886 brasileiros.

O reality da CPI ainda tem um longo caminho pela frente, e precisará de um um trabalho mais empenhado. O que foi expresso até o momento pela comissão chega a chocar, porém, também choca o despreparo de alguns membros. Ser titular em uma CPI tão importante para história do Brasil exige, no mínimo, domínio daquilo que se questiona, e exige que as falas sejam de questionamento. O desabafo de alguns membros é salutar, as demarcações de posições para um lado ou para outro são naturais e compreensíveis. Contudo, CPI investiga, e investigação pressupõe pergunta, indagação. O desabafo fica bonito para as câmeras, o grito agrada a militância, mas o que a CPI necessita em sua continuação é de mais senadores que, como bons alunos, fazem o dever de casa. E convenha-se, o exercício mais complicado está a cargo dos governistas, porque encontrar linhas lógicas capazes de respaldar as decisões do executivo é algo que pede tempo mais que integral.