Não, a imprensa não deve se calar

Durante a última semana ampliaram-se os casos de ataque à imprensa. O presidente protagonizou episódios de puro descontrole. Porém, o grito não deve, em momento algum, calar quem tem por obrigação perguntar.




Colunas, Paulo Junior

Em um de seus primeiros textos, esta coluna optou por falar da necessidade da imprensa, e de seus profissionais, para a existência verdadeira de um ambiente democrático. Agora, a temática insurge novamente ponto crucial, aliás, ela nunca foi destituída do embate. A imprensa vem sendo seguidamente atacada em seu papel fundamental, o de perguntar. Jornalismo não existe com intuito de erguer a bola para político cortar. Jornalismo é inquietude, existe para questionar o que não se deseja responder. Se há a verificação de descontrole por parte do entrevistado, então, a pergunta certamente não foi idiota, mas o atingiu naquilo que ele deseja depositar nas trevas.

Mais uma vez o presidente da República protagonizou ataques à imprensa, desta vez, dirigindo-os a três jornalistas. As profissionais atacadas pelo político são da CNN Brasil, TV Vanguarda e Rádio CBN. Em todos os casos Bolsonaro estava rodeado de apoiadores, sentindo-se livre para elevar o tom de voz e proferir insultos que agrediram diretamente a moral, e a capacidade profissional das envolvidas.

O mandatário da nação, cada dia mais, evidencia sua sanha autoritária. Já muito conhecida, ela tem ganhado novos tentáculos. Para Bolsonaro o papel da imprensa é o de elevar o seu Governo, dizendo em construção arbitrária que trata-se de um estrondoso sucesso. Ele nunca entenderá que jornalismo é em síntese oposição. Ao profissional da comunicação cabe a observação crítica e a pauta do interesse público. Contudo, nem sempre o que interessa aos políticos de plantão é a pauta comunitária, quase sempre eles tangenciam, e desejam que a mídia tangencie em conjunto.

Bolsonaro, misógino, fez questão de protagonizar seus rompantes contra mulheres, em clara demonstração machista. Ele grita quando está acompanhado de apoiadores, quando se sente no controle. Para ele, estar no controle é agredir verbalmente uma profissional feminina que apenas faz seu trabalho. O jornalismo pergunta por oficio, entretanto, a resposta depende sempre do entrevistado. No caso do presidente, a resposta é via de regra agressiva e autoritária.

Bolsonaro insatisfeito ao ser questionado sobre a Covaxin. Foto: Reprodução TV Tem

Os sinais de descontrole do mandatário não são de hoje, os momentos públicos de ojeriza verbal se espalham como água que ocupa espaço vazio. Neste momento, ele grita na ânsia abissal de sair do foco da corrupção, porque o Governo da legalidade, aparentemente produziu um escândalo de desvio de dinheiro na compra de vacinas para Covid-19. Além disso, existe um Centrão ansioso para agradar, uma CPI Covid-19 em curso, um vice-presidente afastado, uma esplanada ministerial desequilibrada. Ou seja, Bolsonaro está sob a lógica da desordem total; e em meio a isso vê a desaprovação ao Governo saltar, e suas intenções de voto regredirem.

Bolsonaro ataca a imprensa como se o seu pico de descontrole fosse capaz de desviar a atenção do que acontece nos corredores palacianos. Ele desconhece o valor de um jornalismo que não se curva e aponta o que é necessário apontar.

O jornalismo está hoje em mais uma encruzilhada, porque os ataques que já são números devem aumentar. Dados apontam que em 2020 houve uma elevação de 168% nos casos de violência contra jornalistas no Brasil. Esse acréscimo, tem entre as suas justificativas, as seguidas falas do presidente que tendem a inflamar sua militância contra estes profissionais.

A militância bolsonarista deseja que haja apenas uma narrativa em foco. Uma narrativa sem contraditório, sem pergunta indigesta. Uma narrativa que não se mostre frágil. O problema é que a narrativa bolsonarista é frágil, quebra ao primeiro toque e os vidros se espalham pelo chão.

Por mais que o vidro quebrado tenha potencia de corte, a imprensa, ou parte dela, seguirá firme diante de seus princípios e nortes. O que interessa para o dia a dia do jornalismo é o fato, e os fatos mostram que o grito bolsonarista quer assustar na tentativa de frear aquilo que é verdade.

Cabe à imprensa, e a todos que a integram, a construção objetiva do questionamento. Jornalismo é face do desconforto, da pergunta indigesta. O interesse público não se pauta na antessala em se apresenta os questionamentos ao político entrevistado, mas na indagação desconfortável feita na saída do Palácio do Alvorada, ao fim de eventos públicos. O questionamento nunca é idiota, idiota é não o fazer.

Os tempos insólitos da censura devem ser uma nuvem que encobria o céu no passado. Em tempos contemporâneos, a liberdade de imprensa é parte do sol que impede essa nuvem de voltar. E como endossou a Ministra do STF, Cármen Lúcia: “cala boca já morreu”.