É necessário demonstrar a importância da imprensa

O jornalismo é exercício de liberdade, de questionamento, de incômodo. Não pode, em hipótese nenhuma, ser diminuindo e posto como fator desnecessário, especialmente quando o mundo vive um momento tão definidor




Colunas, Paulo Junior

É no mínimo constrangedor que em tempos de pandemia de saúde, ainda seja necessário parar para abordar questões que há muito tempo já deveriam ter sido absorvidas, e interpretadas como aspectos básicos de qualquer ambiente democrático. O respeito a imprensa e aos veículos que a compõe é fundamental para manter um ciclo virtuoso de esclarecimento e informação, além de ser indispensável ao exercício coerente da crítica. Afinal, nenhuma observação sobrevive de maneira substancial em um espaço inquisidor e ofensivo.

A complexa relação entre o Governo Federal e a imprensa tem gênese anterior a eleição dos atuais mandatários. Desde antes de assumir a gestão federal, Bolsonaro já demonstrava seu meio de dialogar com os veículos, tecendo críticas e buscando, a todo momento, descredibilizar aqueles que julgava incompetentes ou incapazes. Após o pleito de 2018 esta relação vem evoluindo negativamente, seguidamente o governo mostra-se seletivo quanto aos veículos de informação. Já se tornou rotina ver entes do governo dando longas entrevistas e/ou declarações para ambientes que adotam uma linha editorial mais tênue no que tange aspectos críticos da gestão atual. 

 A crise do novo coronavírus poderia indicar uma mudança no método adotado, no entanto, ele vem servindo como meio para que o presidente e alguns de seus auxiliares endossem essa postura, de repelir os meios de comunicação. No início da crise o presidente chegou a afirmar que a grande mídia estava fazendo histeria, e que tudo não passava de um alarde desnecessário. A imprensa seguiu realizando seu trabalho e hoje vê-se, lentamente, o processo de mudança de postura do mandatário federal.

Atacar a imprensa é a forma preferida dos aliados de Bolsonaro para agradá-lo, não à toa o ministro da saúde chegou a afirmar que os veículos de comunicação são sórdidos, vendem apenas notícias ruins. Esse fato ocorre em um momento no qual o ministro encontra-se em xeque, pois sente-se no dever de orientar processos de quarentena social, mas observa seu chefe desacreditá-las cotidianamente. Acrescenta-se, também, que a demissão de Mandetta foi fortemente ventilada nos últimos dias. Diante disso, como agradar o presidente? Fácil, basta criticar a imprensa. Mandetta se retratou, disse que errou, todavia, em uma complexa situação como a que o país vive, a imprensa deve ser observada como aliada, jamais, como inimiga.

Os veículos de comunicação vêm produzindo um trabalho incrível, abrindo espaço para informação, debates e esclarecimentos. A imprensa é uma das grandes responsáveis pela não observância do contagio rápido no Brasil. Pois dia após dia tem construindo um lastro essencial de dados e informações, esclarecendo o cidadão e apontando medidas fundamentais de precaução e cuidado.     

   Entretanto, quando o governo não compreende a dinâmica incomum em que todos os cidadãos estão imersos, tudo fica imediatamente mais complicado. Logo, aqueles que deveriam auxiliar são notados como algozes vorazes. É isso que ocorre com relação a imprensa, o governo a percebe como algoz, isso acontece por uma série de motivos, no entanto, existe um que é primordial. Entre os deveres de uma imprensa livre está o exercício claro e objetivo da crítica, do incômodo. Este governo, assim como outros, tem dificuldade de lidar com observações e notícias que evidenciam os problemas do país e a ineficiência governamental.     

Tal contexto fica ainda mais luminar quando as coletivas são suspensas mediante algumas perguntas. Quando a questão versa sobre a postura contraditória do gestor federal, o porta voz da presidência se cala, os ministros saem pela tangente e reina um silêncio avassalador. As coletivas diárias sobre o coronavírus no Brasil deixaram o espaço do ministério da saúde, agora são realizadas no Palácio do Planalto, antes o ministro da saúde às concedia acompanhado de quadros técnicos do ministério; agora, estará ao lado de ao menos outros quatro ministros. Há uma vigília as claras, para que todos vejam e notem. Esta mudança não se vincula ao fato de que o combate à Covid-19 envolve um grupo que expande o ministério da saúde, mas sim a questão de que os discursos estão desalinhados. Enquanto Bolsonaro prega que todos saiam as ruas, Mandetta diz o contrário. É papel da imprensa notar essas incoerências e leva-las ao conhecimento público.

É papel do cidadão não aceitar alterações infundadas na lei de acesso a informação, como se tentou fazer via decreto presidencial. Este momento não pode ser usado para afastar o jornalismo dos dados, e ao fazer isso, afastar o cidadão da possibilidade de informar-se diariamente.

O presidente da República continua constrangendo jornalistas todas as manhãs, menospreza o trabalho daqueles que são essenciais a vida democrática. Talvez, isso demonstre o pouco afeto que ele carrega por ambientes que trazem no seu DNA a liberdade. O jornalismo é exercício de liberdade, de questionamento, de incômodo. Não pode, em hipótese nenhuma, ser diminuindo e posto como fator desnecessário, especialmente quando o mundo vive um momento tão definidor. O jornalismo e os veículos de comunicação registram a história no momento em que ela ocorre, nos segundos que definem a vida e o seu fim.

Logicamente que os veículos, os jornalistas e a imprensa erram, exageram. No entanto, neste momento, em linhas gerais, tal fato não ocorre. Mediante a gravidade dos fatos é preciso agir, derrubar programações, ampliar o número de reportagens disponíveis, fazer com a informação chegue, tudo isso vem sendo realizado. O jornalista está na rua para que o cidadão permaneça em casa.

Em um país que preza pela democracia, pelas liberdades individuais e de imprensa não possível se furtar a abordar esse tema. O instante que o mundo vive é um definidor de gerações, mudará a forma como muitas pessoas percebem os fatos, os dados, a vida. Como cada ser nota o trabalho de profissionais tão indispensáveis a vivência em sociedade. Defender a liberdade e sobretudo o respeito a esses profissionais e aos veículos que eles integram é fazer uma árdua defesa da liberdade, da democracia e da política. Pois só existe política quando a sociedade compreende e sabe os meandros que a conduzem, seus dogmas, dores e inquietações. E quem diz tudo isso são os veículos de comunicação, os jornalistas, todos estes integrantes de uma imprensa livre e respeitada.