Luciano Huck é somente a ponta do iceberg

Ressurgem movimentos para que o apresentador seja candidato à presidência. Segundo divulgado, sua saída da Globo já é dada como certa. Porém, Huck é somente a aresta de uma elite que empacota e higieniza a pobreza.




Colunas, Paulo Junior
Homem branco de barba, ele gesticula como se estivesse falando algo. Está sentado, usa camisa em tons terrosos e em suas mãos segura alguns papéis. Luciano Huck

Certamente é bastante difícil encontrar alguém que não saiba quem é Luciano Huck, tal popularidade é atingindo pelos 26 anos de exposição ininterruptos, sendo quase 21 anos na maior emissora do país. Huck apresenta seu programa nas tardes de sábado da Globo desde abril de 2000, quando àquela época deixava a Band em uma tentativa da TV Globo de encerrar suas derrotas para o Programa Raul Gil, que vivia uma de suas melhores fases na Record TV.

O rapaz de classe média alta conseguiu em cerca de dois anos firmar seu programa na liderança de audiência, segundo o Ibope. A partir daí o tempo caminhou e Huck, pouco a pouco, foi ampliando sua fortuna, que hoje é estimada em cerca de R$550 milhões. Ou seja, na atualidade o apresentador integra a elite da burguesia nacional. Integrante dessa elite e dono de um programa que bebe no assistencialismo, Luciano vem alimentando o sonho da política partidária e da presidência da República.

Diante disso, em 2018 sua candidatura foi bastante ventilada, e desejada por partidos como o Cidadania (antigo PPS). Mas, defronte a pressões da Rede Globo e da família, o empresário voltou atrás e seguiu ancorando seu programa aos sábados. Agora, ressurge a informação de que ele será candidato à presidência em 2022. De acordo com informações da Revista Veja, a saída de Luciano da maior emissora do país estaria programada para a metade de 2021, quando seu vínculo atual se encerra. Ainda segundo matéria da Veja, Huck já teria, inclusive, um vice dos sonhos, seria Eduardo Leite (PSDB), hoje governador do Rio Grande do Sul.

Luciano Huck nitidamente se prepara para o ingresso na vida política, talvez, essa trajetória não se consolide no pleito de 2022. Todavia, com certeza em algum momento ela virá. No entanto, é necessário que se questione o porquê desse desejo de poder. Neste caso há, de sobremaneira, o grito do ego. Em outra ponta, para além do ego, há um grito mais estridente e perigoso, a sensação complexa que assola parte da elite brasileira, eles se sentem como salvadores da pátria.

Huck é apenas a ponta de um iceberg enorme e que, ainda, tem sua maior parte escondida em águas turvas. A elite brasileira observa os problemas estruturais do país à distância, olham como se estivessem enxergando algo exótico, diferente. Isso ocorre por um motivo bastante simples, a miséria e todas as questões que abatem o cotidiano do trabalhador, não entram no mundo do condomínio fechado e do carro blindado.

O Caldeirão do Huck tem em média duas horas e meia de duração. Durante este tempo seu apresentador brinca, faz piada, ri e distribui uma dezena de premiações, ele reforma casas, carros, apresenta histórias envolventes e tristes. Em duas horas e meia a pobreza é segmentada, empacotada e entregue a milhões de pessoas. Os personagens das histórias são quase sempre usurpados de suas identidades, se entregam ao que ocorre porque o Estado falhou. Falhou ao fingir não ver os problemas da favela, do sertão, do norte… ao fingir não enxergar a necessidade de agir proficuamente nesses locais.

Caminhando por essa lógica de reflexão, talvez fosse interessante ter Huck presidente, afinal, ele olha para esses problemas, entrega uma solução, um estímulo. A questão é que Luciano, como integrante da elite brasileira, faz exatamente o que foi dito há pouco, trata problemas estruturais como situações do exótico. Luciano Huck é um playboy quer ser político, e para isso diz conhecer os dogmas que banham o Brasil, mas não conhece. Ou melhor, os conhece, porém, apenas cenograficamente.

O líder de audiência dos sábados é mais uma face da direita que ascendeu ao poder. Em 2014, Huck estava o lado de Aécio Neves, denunciado e investigado por diversos crimes de corrupção. Aécio, hoje em dia, se esconde nos corredores da Câmara Federal, se esconde para manter o foro privilegiado e, assim, manter-se do lado de cá das grades. Em 2018, Luciano seguiu rumando a direita, infelizmente, uma direita que desconhece o quadro do país e suas dimensões. Tacitamente o empresário apoiou Jair Bolsonaro, tornando-se hoje um crítico da sua ineficiência.

O exercício da crítica é amplamente importante e necessário, no entanto, ela deve vir sem a sanha daquele que deseja replicar o criticado. Bolsonaro é um inapto que chegou à presidência, alguém incapaz de discorrer sobre os aspectos que geram insônia a maioria dos brasileiros. Bolsonaro não abriu livros, sequer chegou à porta da biblioteca. Huck tem uma estante cheia, leu vários, mas aparentemente não escolhe bons títulos ou interpreta-os mal.  

O marido de Angélica quer emular João Doria, deixar a TV e se inserir na política. Dória, dono de arrogância sem tamanho e dotado de sonho presidencial, tende a ser um obstáculo para consolidação do nome do apresentador. Huck afirma que irá dialogar com o centro, pensa em se filiar ao Democratas, ou seja, já chega ao jogo se entregando ao fisiologismo. Huck tentará emplacar o discurso da nova política ou aquela fala antiga do “me dê uma chance”. Importante lembrar que Bolsonaro, em 2018, também pediu apenas uma chance, e com essa chance está entregando o país ao caos.

Luciano senta a mesa com a mais alta casta da política paulista e carioca, come pratos finos e afirma que a solução para saúde está em fazer acertos aqui e acolá. Luciano, animador que é, joga para a plateia, não desmente o que sai e espera para ver as reações. Se for positivo segue, caso não seja, finge-se de louco ou diz que não passou de especulação.

No mais, ele persiste editando fotos em suas redes sociais, tentando apagar detalhes de um passado que já pode condenar. Enquanto isso, palestra sobre um mundo de soluções postas, coloca-se em projetos de projeção nacional e fala com um poder de oratória singular. Afinal, o comunicador e o político precisam, antes de tudo, colocar as palavras certas em cada lugar.

Pondera-se que em nenhum momento coloca-se em xeque o desejo de ocupar o cargo máximo da República, o que se questiona é quem estará nesse local. Bolsonaro é um inapto com uma agenda de destruição, Doria um governante midiático. Qual será o papel de Huck nessa histeria sem fim?

No próximo sábado haverá Caldeirão, mais uma vez a miséria e os problemas do país estarão empacotados e higienizados para gringo ver. Luciano constrói uma boa embalagem para a dor alheia, mas a confecção dessa embalagem o gabarita para a presidência?