Ciro e o seu maior adversário, ele mesmo

Ciro é um político antigo, passou por vários cargos e sonha com a cadeira presidencial. Ele se define como alguém indignado, mas a recente declaração ao jornal O Globo mostra que ele segue se concretizando como seu maior adversário político.




Colunas, Paulo Junior
Ciro Gomes em fundo escuro

Por certo que algumas características podem ser atribuídas ao ex-ministro da Fazenda, e político experiente, Ciro Gomes. No entanto, mesmo diante dos mais de 40 anos de vida pública, como ele mesmo costuma frisar, Ciro mantém como marca rompantes declaratórios que por tendência o colocam em situações, no mínimo, desconfortáveis. Radicado no Ceará, Ciro teria potencial para ser um nome de peso em 2022. Porém, seu discurso, caso não seja equacionado, pode levá-lo a ocupar novamente o terceiro lugar. Como sempre, o principal opositor de seu projeto presidencial é o próprio candidato.

Ciro tem se mantido firme nos ataques direcionados a alta cúpula do PT, em especial ao ex-presidente Lula, ele mira o voto antipetista que ainda terá larga força em 2022. Entretanto, ao não medir o peso de suas declarações, Gomes se coloca como em uma situação bastante complicada, pois caminha para afastar algumas lideranças políticas mais moderadas de seu palanque. A forma que o pedetista opta por encaminhar suas ponderações pode, ainda, o afastar de uma elite intelectual e artística que enveredou por sua campanha em 2018.

A revolta de Ciro Gomes com o PT e, primordialmente, com o ex-presidente Lula já é conhecida. Porém, a volta do petista ao tabuleiro político adensou um tanto quanto a relação de ambos, as farpas certamente não são mais novidade. Ciro Gomes, busca costurar apoios entre a centro-esquerda e o centro, mesmo lastro de alianças que é visado pelo grupo petista. Logo, estão circundando com força quase que o mesmo conjunto de partidos e lideranças.

O PDT já articula a algum tempo diálogos com a Rede, partido da ex-senadora Marina Silva, apontada como vice dos sonhos por Ciro Gomes. Conversa, também, com o PSB, PSD e Dem. Deste grupo, é fundamental observar o comportamento do PSB, que em 2018 caminhava para o barco de Ciro e de última hora, em arranjos com o PT, optou pela neutralidade. Agora, o partido volta a endereçar esperanças para Ciro, mas já há articulações lulistas para buscar o partido para o lado petista.

O partido de Ciro também realizará acenos para o PSDB, mesmo sabendo que é extremamente improvável que haja um entendimento. Entretanto, como a sigla não dispõe de consenso interno sobre seu nome para as eleições gerais, o PDT ainda alimenta um ar de possibilidade.

No entanto, não haverá arco de alianças em volta da quarta disputa presidencial de Ciro, se ele não organizar melhor seu discurso, estabelecendo um controle mínimo sobre as elaborações que realiza. Em 2020 ele lançou um livro para ilustrar seu projeto de país, a obra que passou semanas entre os mais vendidos do país, precisa ocupar mais espaço nas suas considerações. Para conquistar o eleitorado, Ciro terá que se mostrar ciente dos problemas do Brasil, envolvendo-se menos em discussões velhas e encontrando um fio de popularização de suas falas.

Apesar de carismático com uma parte importante do eleitorado, os mais jovens, Gomes ainda não consegue fazer seu discurso chegar nas classes mais baixas. Assim, ele acaba restringindo-se a um conjunto muito específico, e para vencer é necessário ultrapassar o específico. Todavia, para ultrapassar, ele enseja ataques a uma figura que já mítica em certo aspecto, Lula. Ciro precisaria elaborar suas críticas sem desqualificar aquele que inegavelmente é o maior dos populista dos tempos modernos.

Em recente rompante, declarou ao jornal O Globo que ao viajar para Paris, em 2018, fez com ‘grande angústia’, pois ‘a eleição já estava perdida’. Afirmou, ainda, que nunca mais fará alianças com o PT, e que hoje viajaria com mais convicção. Esta declaração parece remeter a um jovem em começo de carreira, ao invés de demonstrar alguém com 40 anos de política institucional. Gomes mostra que ao chamar Lula de ressentido, também conhece e abriga o sentimento.

Como elabora Maria Rita Kehl, teórica das melhoras, na política não há espaço para ressentimentos. No momento, Ciro partilha do ressentimento que por ele é criticado. Na atual conjuntura do Brasil, os discursos devem buscar união, mantendo a crítica, desde que ela não desorganize as bases de uma crescente de embate ao bolsonarismo. A declaração de Gomes, apesar de contar com contexto, não deixa de ser menos chocante.

Pontua-se que o objetivo não é cobrar que ele se ajoelhe diante do PT, ou de Lula, mas evitar discursos que possam ser capturados por um raso pensamento antiprogressista. Ciro necessita organizar suas colocações, pois só assim seu arco de alianças poderá se ver consolidado, para que não fique sozinho em 2022.

Naturalmente que não será esta fala que extinguirá suas potências para as próximas eleições gerais. Entretanto, caso elas se aglomerem como uma festa clandestina, a candidatura do pedetista pode naufragar antes de começar. Ciro compreende que parte de seu eleitorado está no mesmo espetro político de Lula, mas suas colocações parecem dizer de sua incompreensão.

Para que essa sensação de incompreensão saia, ele precisará esquecer o ressentimento, reequacionar o discurso e construir de fato alianças. Pois, mesmo com Lula no jogo, sua candidatura mantém a gordura necessária para se apresentar como terceira via, mas precisará se entender com o mercado, com a elite política e realizar um dos maiores enfrentamentos que ele já fez, consigo mesmo. Pois se não fizer, essa será apenas mais uma de suas muitas disputas eleitorais.

Aqui frisa-se que a figura de Ciro Gomes se mantém necessária ao jogo democrático, é importante que haja alguém capaz, e com coragem, de direcionar críticas a estrutura, alguns métodos, e lideranças petistas. Entretanto, essa crítica deve ser feita de modo orgânico, e não como um desabafo carente de método e, em certo grau, pobre de política a médio e longo prazo.