Um vasto mundo chamado Maria (Valéria Rezende)

Geograficamente, santista; mas paraibana de coração. Maria Valéria Rezende começou a escrever cedo, mas publicou seu primeiro livro com quase sessenta anos: “Vasto Mundo” (2001).




Coluna Literária, Colunas

“Quarenta Dias”, terceiro livro de Maria Valéria Rezende, publicado em 2014 foi agraciado com dois jabutis no ano seguinte nas categorias de melhor romance e melhor livro de ficção. 

Assim como Jesus recolheu-se em jejum por quarenta dias no deserto, Alice, professora paraibana aposentada, passou quarenta dias pelas ruas de Porto Alegre procurando um tal de Cícero Araújo. Na verdade, o filho da manicure Socorro foi o álibi perfeito para Alice encontrar a si mesma, depois que sua filha Aldenora (Norinha) obrigou-a, com chantagem emocional, a se mudar de sua terra natal, seu porto seguro (Paraíba) para o frio do Sul para assumir o cargo de “avó profissional”.

Contudo, quando Alice chega em um apartamento “modernoso” (Porto Alegre), não se reconhece naquele lugar estranho que parece “cenário de televisão”. Como não bastasse, sua filha comunica-a que precisará passar uns seis a oito meses na Europa, pois ganhou uma bolsa de pesquisa.

Alice, que constantemente faz menção à sua xará, Alice (Lewis Carroll), sente-se como “um bicho estranho em terra estranha”. Alice, que também se intitula a professora Póli (em alusão à obra “Polliana”, de Eleanor H. Porter), procura fazer o “jogo do contente” diante daquela situação que vergonhosamente cedeu. “O resto é consequência”.

Para buscar a si mesma, a narradora-personagem vale-se de um caderno com trezentas folhas amareladas, cuja capa é a “Barbie”. A boneca, que segundo Alice, nasceu para ser vestida e despida pelos outros e nunca envelhece, torna-se sua amiga e confidente.  Neste caderno, a mãe de Norinha (não em ordem cronológica, pois a memória é precária e a gente esquece) passa sua vida a limpo. 

“Quarenta Dias” apresenta uma linguagem acessível, envolvente e instigante. É uma pintura sobre as relações familiares e sobre um Brasil dividido pelo progresso (Sul) e pelo atraso (Nordeste), mas que se olharmos com os olhos do coração descobriremos um vasto mundo camuflado de “brasileirinhos” que precisam uns dos outros.