THE DARK
SIDE OF THE MOON:
UM ENSAIO SOBRE A LOUCURA
Por Carlos Rodrigo, Paulo Rossi e Sávio Emanuel
O DISCO
Primeiro o silêncio. Gradualmente, o coração começa a bater. A percussão acelera, o coração bate mais forte. Sons começam a se misturar, e ao fundo vozes. Vozes humanas. “I’ve been mad for fucking years, absolutely years” (“Eu estive louco por uma porrada de anos, definitivamente anos”). “Very hard to explain why you’re mad, even if you’re not mad” (“Muito difícil de explicar porquê você está louco, mesmo se você não estiver louco”). Uma risada ganha força, os ruídos aumentam, e finalmente ele vem: o grito de desespero.
É nessa confusão que The Dark Side of the Moon (O Lado Escuro da Lua), álbum clássico da banda de rock progressivo Pink Floyd, se inicia. O trabalho foi lançado em 1973, e assim como outros discos da banda é conceitual, ou seja, conta uma história.
E o pontapé inicial de The Dark Side of the Moon faz jus a história contada. O disco pode ser considerado uma narrativa de ficção, tanto quanto um filme ou livro. Os grandes personagens da narrativa são a loucura e a insatisfação humana, protagonistas dos diálogos iniciais da faixa de abertura Speak to Me (Fale comigo). Dentro do rock progressivo é comum álbuns que contam histórias, e o Pink Floyd sabe fazer isso muito bem.
A primeira música propriamente dita da obra está em sua segunda faixa, Breathe (Respire). Depois do grito desesperador, uma trilha calma, ao mesmo tempo que psicodélica, nos conduz a mensagem: respire! A letra fala sobre a vida e os diferentes sentimentos e vivências que ela traz.
“Run! Rabbit, Run!”. Essa pode ser uma referência à Alice no País das Maravilhas, e ao personagem Coelho Branco da obra do Lewis Carroll. Na clássica obra da literatura infantil, o Coelho é considerado o personagem com mais lógica da narrativa. É a pessoa equilibrada em meio aos loucos.
Em Breathe, no entanto, o coelho é aconselhado a correr e cavar uma toca. Run, rabbit, run/ Dig that hole, forget the sun/ And when at last the work is done/ Don’t sit down it’s time to dig another one (Corra, coelho, corra!/ Cave aquele buraco, esqueça o sol/ E quando, finalmente, o trabalho estiver feito/ não descanse, é hora de cavar outro).
Uma parábola com o que acontece na sociedade capitalista. Trabalhar para ter abrigo, e quando finalmente conseguir o abrigo não se abrigar, mas construir outro. A produção e o acúmulo de capital nunca é suficiente. A insatisfação é garantida. Isto é afinal uma grande loucura, normalizada na pós-modernidade. Tal loucura, de ordem social, produz a insanidade – a loucura de ordem mental.
Os efeitos sintéticos de On the Run (Em Fuga) refletem o estresse causado por essa sociedade. Com o toque ensurdecedor de um despertador, Time (Tempo) fala sobre não se aproveitar o tempo, deixar a juventude passar e não viver o que vale a pena ser vivido.
Em meio ao piano predominante de The Great Gig in the Sky (O Grande Show no Céu) uma voz declara não ter medo da morte. Why should I be frightened of dying? There’s no reason for it, you’ve gotta go sometime (Por que eu teria medo de morrer? Não há razão para isso, você tem que ir alguma hora).
A trilha fica mais lenta, como que mostrando uma aproximação da morte. A voz, menos convicta, completa ao fim: I never said I was frightened of dying (Eu nunca disse que tinha medo de morrer). O medo da morte aparece como componente involuntário do ser humano.
O som de uma máquina registradora toma a cena. É hora de Money (Dinheiro). Grab that cash with both hands and make a stash (Agarre essa grana com as duas mãos e faça um estoque). A ideia de insatisfação, presente em Breath, retorna aqui. Dig that hole! Make a stash! Dinheiro e bens nunca são suficientes, é necessário cavar mais tocas.
Us and Them (Nós e Eles) trata das dualidades do mundo. Any Color Your Like (Qualquer Cor que Você Goste) segue essa pegada, e apesar de ser instrumental, o título dar a ideia de que apesar de o mundo se apresentar em dualidades (regras), você pode ser o que quiser, desde o meio termo até uma terceira via.
E o que é loucura se não a fuga das regras impostas pela sociedade? Como defendia Foucault, a própria cultura inventou o homem louco. O louco é apenas aquele que vive de acordo com suas próprias normas de conduta, não se prendendo aos padrões sociais.
Brain Damage (Dano Cerebral) apresenta a proximidade da loucura com o narrador da história. A loucura está cada vez mais próxima, até tomar conta dele. There’s someone in my head, but it’s not me (Tem alguém em minha cabeça, mas não sou eu).
E para finalizar a narrativa, The Dark Side of the Moon se encerra com Eclipse. Em suma, a mensagem narrada revela que todas as coisas lúcidas da vida estão sob o sol. O sol, nesse contexto, é a razão que se sobrepõe a loucura. No momento do eclipse, no entanto, se é revelado: a lua não tem luz própria, nada tem lucidez em si mesmo.
Se não for pelo sol, que neste contexto pode ser entendido como os padrões impostos, que regem a sociedade, nada faz sentido. Como declara a voz que encerra o disco There is no dark side of the moon, really. Matter of fact it’s all dark (Não há um lado escuro da lua, na verdade. De fato ela é toda escura).
A PRODUÇÃO
Oitavo disco da banda, The Dark Side of The Moon foi gravado em Londres, no Abbey Road Studios, em diferentes sessões entre Maio de 1972 e Janeiro de 1973 ao lado do competente produtor Alan Parsons. Várias das canções já tinham sido apresentadas ao vivo antes do material ser lançado oficialmente há 46 anos, em um dia 1º de Março, marcando uma nova fase do grupo, com uma sonoridade diferente. O disco já vendeu em torno de 50 milhões de cópias ao redor do mundo, sendo mais de 15 milhões só nos Estados Unidos. É o terceiro álbum mais vendido de toda a história.
A capa icônica, clássica, inesquecível, carregada de simbologias e que até hoje ainda é referência foi criada pelo designer Storm Thorgerson. Até escolher essa imagem, a banda chegou a ir ao Egito em busca de inspiração. Além disso, o material quase passou a ser chamado de Eclipse, o que também faria bastante sentido.
O trabalho não conta com o ex-vocalista Syd Barret, que saiu da banda devido a graves problemas com drogas. Apesar disso, ele serviu como principal inspiração de Roger Waters (baixo, vocal, guitarra, sintetizador VCS 3, efeitos gravados), David Gilmour (guitarra, teclados, baixo, vocal, sintetizador VCS 3), Nick Mason (percussão, bateria, efeitos gravados) e Richard Wright (teclados, vocal, sintetizador VCS 3) para o disco, focado no ser humano. Syd e seus problemas inspiraram a banda, principalmente com relação ao obscuro, à escuridão, à loucura, ao lado falho do ser humano escondido dentro de todos nós. Isso é o “lado escuro da lua”.
AS TEORIAS
Um trabalho como este, lógico, gera também, além de muitos debates, teorias conspiratórias. Uma das mais conhecidas é no mínimo interessante. Ela afirma que o álbum teria sido escrito com forte influência de um filme bastante conhecido lançado em 1939: O Mágico de Oz. Essa teoria ganhou sentido a partir do momento em que as músicas do material foram colocadas lado a lado com o enredo do longa dirigido por Victor Fleming.
Essa suposição gerou tanta especulação que passou a ganhar até um termo específico, com página explicativa na Wikipedia: “Dark Side of the Rainbow (em português, O Lado Sombrio do Arco-íris e também encontrado na internet como The Dark Side of the Oz) é o nome dado ao efeito criado ao tocar o álbum conceitual do Pink Floyd, The Dark Side of the Moon, de 1973, simultaneamente com o filme O Mágico de Oz, de 1939”. Apesar de todo o questionamento, os artistas da banda sempre negaram qualquer intenção de sincronização, e afirmaram que tudo é pura coincidência, até porque na época não existia tecnologia suficiente para assistir ao filme em estúdio enquanto se produzia o disco.
Além dessa bastante conhecida, outras teorias que não ganharam tanta repercussão também foram pensadas, como as que afirmam que o material tem ocultismo e muitos mistérios e um usuário do Reedit que recentemente, em 2016, afirmou no fórum que o disco parece sincronizar também com Star Wars: O Despertar da Força, quando ouvido a partir de certo ponto do longa e sobre algumas orientações elencadas. Outros usuários trouxeram questionamentos sobre o diretor do filme que marcou o retorno da saga intergalática, J.J. Abrams, que supostamente poderia ter criado de propósito esse “efeito”. É um álbum que definitivamente desperta subjetividades – algumas bastante estranhas ou aleatórias – em cada pessoa. Talvez por isso também o material se manteve tão bem durante tantos anos.
O LEGADO
Cheio de significado, The Dark Side of The Moon é experimental, progressivo e um marco. Isso, lógico, passa a ser refletido de diversas formas não só dentro da indústria pop como também – e principalmente – fora dela. Para além do próprio disco, existem muitos covers, álbuns com regravações das canções originais da banda, trabalhos que claramente fazem referência a Dark Side of The Moon, ao visual adotado no material, à capa. Esse trabalho revolucionou a música, a arte e o mundo em vários sentidos. Até o cientista e apresentador Neil deGrasse Tyson já revelou várias vezes que “não existe lado negro da lua”, brincando sobre a culpa que a banda tem por essa falsa ideia que passou a ser apropriada de uma forma geral pela sociedade ocidental.
O trabalho possui vários recordes – alguns já citados -. Uma pesquisa revelou que uma a cada cinco lares em Londres têm o disco. Aclamadíssimo até hoje por público e crítica, o Guinness Book possui o álbum visionário em sua lista como o único na indústria fonográfica a ficar por 591 semanas (fucking 11 anos e 4 meses!) sem interrupções na lista dos 200 mais vendidos da revista Billboard. Tem mais: o trabalho passou 741 semanas (15 anos e 4 meses!) oscilando entre entradas e saídas nesta lista.
A psicodelia, a pegada psicológica, as questões sobre sanidade, o rock progressivo do The Dark Side of the Moon e do Pink Floyd, no entanto, permanecem vivos através de bandas contemporâneas como o excelente grupo MGMT, muito influenciados pelo clássico inesquecível de 1973.