Sem 87% do orçamento programado, a ciência brasileira está observando um novo apagão

A equipe econômica do governo federal anunciou um corte de 87% no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia. Com bem menos recurso do que o projetado, bolsas de pesquisa devem deixar ser pagas e as instituições de fomento devem ampliar o sucateamento




Colunas, Paulo Junior

A última sexta-feira, 8, trouxe uma desagradável surpresa para a ciência brasileira, pois nos corredores do Planalto e do Congresso viu-se concretizar uma manobra que tirou 87% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A pasta que deveria contar com R$690 milhões, passará a dispor de somente R$89 milhões em 2022. A justificativa do governo é absurda, segundo o Ministério da Economia os recursos da pasta não são utilizados, essa interpretação demonstra que nem mesmo a ‘elite’ da economia bolsonarista compreende os tipos de créditos disponíveis aos ministérios.

Parte significativa dos recursos aportados na pasta da Ciência diz respeito aos créditos reembolsáveis, ou seja, estão disponíveis apenas para empréstimo. Assim, empresas podem solicitar financiamento para o desenvolvimento de suas pesquisas e, após o tempo contratual, elas são obrigadas a ressarcir o erário público. A justificativa do Ministério da Economia é surreal, pois a manutenção de um elevado nível de recursos reembolsáveis significa que a Ciência brasileira não está levando calote dos projetos que financia. O sumiço dessas reservas seria um péssimo sinal.

Contudo, o que parece estranho não deve ser assim interpretado, o governo não está buscando meios de reforçar outras pastas, que também necessitam de maiores alocações de recursos, ou tentando realizar adensadas economias. O que o governo Bolsonaro faz, neste momento, é dar mais um passo no sucateamento da ciência e da universidade brasileira. A maior parte dos recursos retirados da pasta seria destinada ao CNPq, principal órgão de fomento à pesquisa do país, e aplicada no custeio de bolsas de mestrado e doutorado. Agora, milhares de cientistas estão espalhados pelo país e colocados diante de uma grande encruzilhada, pois não receber a bolsa de financiamento é, muitas vezes, não conseguir concluir trabalhos que seriam fundamentais para o Brasil lidar com parte de suas mais duras questões.

Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, afirmou que chegou a pensar em entregar o cargo após o corte orçamentário. Entretanto, momentos depois também disse que se tratava apenas de um dia ruim, e que o presidente gostava de ciência. Pontes é o primeiro astronauta brasileiro a ir ao espaço, parece que ainda não voltou de lá. O chefe dele não gosta de ciência e muito menos dos espaços que a tem como guia; este corte, que deve chegar a sua mesa em breve, é mais um ataque frontal à universidade pública, responsável por 90% das pesquisas de relevância feitas no Brasil. Cortar o orçamento do MCTI é cortar no ensino superior, é limitar o presente e desde agora podar o futuro.

Um país com consciência ampla do porquê de se fazer pesquisa consegue vencer com mais agilidade e humanidade o espectro da dor. A pandemia de Covid-19 deveria ser o exemplo máximo da urgência de colocar a ciência como prioridade, pois foi a ela que se recorreu de imediato, foi ela que ofereceu estudos e encaminhou orientações de sobrevivência. Foi ela que em curto tempo entregou imunizantes, e nestes imunizantes um tanto de esperança.

Marcos Pontes age como vassalo de Bolsonaro. Já Bolsonaro e seu equipe econômica agem como sempre agiram, elegendo prioridades outras que não aquelas do mundo real. Sob a pretensa lógica de economia o governo corta da ciência, mas gasta largamente com cartão corporativo, banca motociatas pelo país, reduz investimentos e entrega cargos ao Centrão.

Em julho deste ano o CNPq sofreu um apagão em um de seus datacenters, sinal do esquecimento que a entidade vem sofrendo, felizmente nada se perdeu. Porém, sem os recursos programados, novos apagões podem vir e, desta vez, as perdas certamente chegarão.

Em meio à pandemia, o Brasil resiste em parte por causa de seus cientistas, de suas vozes e gritos que ecoaram a todos os lados. Depois do grito que vem permitindo a salvação, estes profissionais estão sendo levados ao subsolo, esquecidos, silenciados. Um país sem ciência, sem universidade, é um país de futuro dúbio. Ainda há tempo e oportunidade para reverter este quadro, a ciência é forte e resiliente, e espera a cumplicidade de todos aqueles que ela ajudou.