Se poupar como ato político

Se poupar, para além do que se pensa, não significa silêncio absoluto, mas direcionar a energia para ações concretas do dia a dia.




Colunas, Joedson Kelvin

Estamos a menos de 30 dias de mais uma eleição. Desde o fim da antidemocrática Ditadura Militar, esta será a nona vez em que sairemos de nossas casas, em pleno domingo, para concretizarmos uma das intenções que mais pode definir o que seremos como nação nos próximos quatro anos. As incontestáveis urnas, aonde depositamos nosso voto, irão decodificar, mais uma vez, a confiança depositada em candidatos políticos que, caso eleitos, poderão nos representar. Mas, até lá, muitas águas podem rolar, e é sobre essa travessia no meio de tantas pedras que pretendo falar.

Antes de chegar até aqui, lá em outubro de 2018, após o resultado das eleições para presidente da república, além do choro e medo que tomaram conta do coração, eu – e acredito que muita gente que já previa o que poderia acontecer – decidi adotar como atitude comportamental o ato de se poupar. O motivo? Àquelas eleições, não tão diferentes destas, foram demasiadas desgastantes, violentas e traumáticas. Só quem viveu sentiu, e até hoje sente. A partir daquele momento, entendi que recuar era sabedoria necessária para não correr o risco de virar alvo de tiro certeiro de trincheiras dos próximos quatro anos vindouros à época.

Já faz um tempo que as redes sociais são consideradas “terra de ninguém”. A política (nada pública) de “fake news” da casa da “Mãe Joan…” Ops! Do nada pai “Messias”, que o diga. Foi nessa feira da FALTA de farinha que fiz morada no silêncio. A fábrica de mentiras e violências teve como objetivo principal exaurir quem se intrometesse a falar acerca de toda e qualquer cortina de fumaça. Cortinas estas feitas de panos que só serviram para matar sem fôlego quem viu e sentiu a morte de tanta gente por Covid-19, por bala e, embora não tão visível nas telinhas dos smartphones assim, quem morreu, e ainda morre, todo dia, de fome.

Há quem tenha sangue suficiente nos olhos para falar, gritar ou rodopiar bem no meio do olho desse furacão. Admiro e agradeço pela coragem quando utilizada em nome da maioria de uma nação, mas que é considerada “minoria” e “digna” de ser vítima do genocídio diário. Não podemos deixar de lembrar que mais de cinquenta por cento do eleitorado brasileiro é formado pelo sexo feminino, mais da metade da população se autodeclara negra, e, atualmente, mais de 33 milhões de pessoas estão passando fome no Brasil. Contraditório ser a maioria e não se ter nenhum “grande dia”, não é mesmo?

Não quero dizer, aqui, que se poupar de certos embates seja uma atitude covarde ou um tanto alheia ao que nos acontece. Muito pelo contrário. Se poupar, como fiz nos últimos quatro anos, é estratégia inteligente de sobrevivência. Se poupar, para além do que se pensa, não significa silêncio absoluto, mas direcionar nossa energia para ações concretas do dia a dia. É olhar nos olhos de dona Maria enquanto senta na calçada, conversar com Seu Zé quando se partilha o mesmo assento no ônibus, ou tomar um “cafezinho” na respeitável casa da “Mãe Joana”, para reavivar a esperança de silêncio que é um belo projeto de futuro de paz e saúde.

Nos próximos anos, a voz de toda nossa gente pode voltar sim a falar com um tanto mais de liberdade. Para nossa paz e respiro, até dia 2 de outubro, ou até o dia 30 – que as Deusas abençoem que não seja necessário um segundo turno -, temos o direito, a oportunidade e opção de se poupar como um louvável ato político.