Rachel de Queiroz: uma nordestina nascida sob as bençãos de um “anjo esbelto”

Nascida no dia 17 de novembro de 1910, Rachel de Queiroz, a autora de O Quinze (1930), foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1977.




Coluna Literária, Colunas

Se em Drummond, Carlos, anunciado por um “anjo torto”, nasceu para ser gauche na vida, (Poema de Sete Faces), Rachel de Queiroz, certamente, nasceu sob as bênçãos de um “anjo esbelto” para inspirar e representar inúmeras escritoras, especialmente àquelas nascidas no Nordeste, região em que as mulheres (no campo literário) aparecem na condição objeto, não de sujeito, como personagens secundárias ou até mesmo protagonistas, mas com um fim trágico: é o caso de Iracema, de José de Alencar; Luzia-Homem, de Domingos Olímpio; Dona Guidinha do Poço, de Manuel de Oliveira Paiva; etc.

Rachel de Queiroz, nascida no dia 17 de novembro de 1910, é uma das romancistas mais festejadas da Literatura Brasileira por ter construído uma obra extensa, são mais de trinta títulos; diversificada, crônicas, poemas,  romances, autobiografia e peças de teatro; que traz as mulheres (em sua maioria) como protagonistas. A linguagem enxuta, viva, crítica e coloquial atrai leitores e o reconhecimento de seus pares. 

A data de seu nascimento foi instituída o dia da Literatura Cearense – uma literatura rica, expressiva e crítica, que tão bem retratou o homem nordestino, sua cultura em seus lances infelizes ou gloriosos, como: Aves de Arribação, Antônio Sales; Lendas e Canções Populares, de Juvenal Galeno; A Normalista, de Adolfo Caminha; A Fome, de Rodolfo Teófilo; etc. 

É preciso frisar que a força da escrita queirosiana não só inspirou, mas abriu portas para que outras mulheres também pudessem ser ouvidas, numa época em que a produção literária oriunda das mulheres era vista com reserva e desconfiança por seus pares. O pioneirismo de Rachel permitiu-nos ouvir as vozes de: Ana Miranda, prêmio Jabuti de Revelação, em 1990, com o romance Boca do Inferno; Tércia Montenegro, autora de O Vendedor de Judas, Prêmio Funarte, em 1998; Natércia Campos, criadora do romance A Casa, Prêmio Osmundo Pontes, em 1999, dentre tantas outras. 

Agremiações de ontem – Padaria Espiritual – e instituições literárias de hoje dão a tônica da potência literária do povo cearense, como a Academia Cearense de Letras (fundada em 1894, três anos antes da Academia Brasileira de Letras, 1897), Casa de Juvenal Galeno (CJG), equipamento cultural mantido pelo Governo do Estado do Ceará e, que abriga um acervo de livros cearenses disponível para consulta de alunos, pesquisadores ou leitores interessados em descobrir mais sobre sua terra e sua gente. A CJG abriga vinte outras instituições, como a Ala Feminina, que dá voz às mulheres silenciadas e invisibilizadas ao longo da história. É preciso, ainda, destacar o trabalho desenvolvido pela Academia de Língua Portuguesa, criada em 1977, e Academia Cearense de Retórica, de 1979. Cada uma dessas instituições tem o importante papel de promover concursos e eventos literários, divulgar a produção literária (livros, revistas, enciclopédias), sobretudo ser uma ponte com escolas, bibliotecas públicas e a sociedade de modo geral. 

Muito há que ser evidenciado na obra dessa nordestina cearense, que ingressou      no salão masculino da Academia Cearense de Letras, no ano de 1977, para ser a primeira mulher a compor a casa fundada por Machado de Assis. Em 1993, recebeu o Prêmio Camões – por sua contribuição para enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua portuguesa.

O pioneirismo, a linguagem sem floreios e próxima do povo, a perspectiva social dada ao romance, o enfoque no feminino, fizeram com que Rachel de Queiroz criasse uma galeria de mulheres aguerridas para além da Literatura Cearense. Em O Quinze (1930), temos Conceição: uma professora de 22 anos, independente financeiramente, não pensa em casamento, “adota” o filho de Chico de Bento, além de uma assídua leitora que incluem livros feministas e socialistas. Em Caminhos de Pedras (1937), Noemi é casada com João Jacques, tem um filho chamado Guri, mas se apaixona por outro homem, Roberto. Não conseguindo ficar presa ao conservadorismo de uma cidade como Fortaleza na década de 30, resolve viver esse amor. Perde o emprego, perde o filho, perde o próprio homem que ama, mas nunca a capacidade de lutar para ser feliz. Em 1975, vem a público Dôra, Doralina e nos apresenta Maria das Dores, uma jovem viúva, casada por conveniência, que sai da barra da saia da mãe e de uma vida inteira de submissão e vai buscar a si própria em Fortaleza. Em 1992, temos sua protagonista queirosiana mais forte, decidida e calculista:  Maria Moura, “chefe” de um bando de jagunços, uma mulher que luta contra a submissão feminina na sociedade patriarcal, do romance de formação –  Memorial de Maria Moura, adaptado em 1994 para a TV, tendo Glória Pires no papel principal.  

As narrativas queirosianas contribuíram para evidenciar a força e a independência da mulher brasileira. Valorizemos, pois, a Literatura Cearense, tão bem representada por Rachel de Queiroz, mas que ainda precisa ser conhecida pelo eixo Sul-Sudeste, sobretudo, pelos próprios nordestinos. Ler a si próprio é um ato político!