Os equipamentos culturais de base comunitária

“É preciso pensar formas de gerir essas estruturas de forma compartilhada com a sociedade civil para que exista planejamento e caráter pedagógico que possibilite ampliar a sua diversidade e pluralidade de uso social e apropriação cultural.”




Coluna do Alexandre Lucas, Colunas

O desenho da cidade é uma construção diária, essencialmente ele se caracteriza pela relação do espaço e a interação dos sujeitos. É nesta relação de significação que a cidade vai sendo desenhada a partir das memórias, dos afetos e das condições objetivas das estruturas urbanísticas e arquitetónicas. É um desenho que escapa das estruturas do planejamento urbano, apesar de ser essencialmente necessário e vital para a construção de uma cidade inclusiva e que enxergue a sensibilidade que existe na espacialidade urbana. Quando pensamos em equipamentos culturais espalhados pela cidade, de imediato nos vem a ideia de estruturas arquitetônicas e urbanísticas gestadas pelo poder público, o que nos coloca diante de desafios para pensar a partir e para além dessas estruturas, tendo como norte o viés das formas de exclusão e participação.

A partir de cada lugar, a cidade é reinventada numa unidade contraditória. A urbanização e a construção arquitetônica das cidades, tendem a se concentrar nas áreas centrais, criando uma espécie de cidade submersa a partir de suas margens. Desesconder as cidades não é uma tarefa fácil e exige mais que um olhar técnico, requer comprometimento e sensibilidade política, a partir de uma determinada compreensão de sociedade que se busca constituir.

Tirar a cidade dos seus esconderijos é ao mesmo tempo evidenciar as suas contradições e expor as fraturas socioeconômicas que se apresentam nos desenhos das cidades. Quais os equipamentos culturais que recheiam as cidades a partir de suas margens? Essa é uma resposta complexa se considerarmos, o que podemos eleger como equipamento cultural.

Na escassez dos tradicionais equipamentos tidos como culturais nas margens das cidades, como é o caso de cinemas, bibliotecas, teatros e galerias vai se definindo também um imaginário equivocado de que os processos de difusão estética, artística, literária e cultural estão necessariamente vinculados a esses equipamentos, o que não é verdadeiro. Entretanto, a edificação, manutenção e expansão destes equipamentos é uma reivindicação necessária e vital para democratização da produção simbólica desenvolvida pela humanidade de forma histórica e social e ao mesmo tempo compõe o repertório pelo direito à cidade.  

Por outro lado, as unidades escolares, estão presentes nas margens das cidades, porém, não são percebidas como equipamentos culturais, tanto pela ausência da discussão da transversalidade e centralidade da cultura, como também pelo norteamento da política pública. O formato arquitetônico das escolas demonstra esse caráter, quando não são construídas estruturas que contemplem os cinemas, teatros, bibliotecas e galerias e outros espaços para formação e fruição estética. Colocar essa dimensão pedagógica para as escolas, é ampliar a sua capacidade de difusão e de ampliação da visão social de mundo dos sujeitos, é constituir uma escola para além da sua comunidade escolar e potencializar lugares e compreensões da realidade. É alicerçar a escola a partir da prática social conjugada com a socialização e apropriação da produção universal. O que é papel imprescindível para a escola destinada à classe trabalhadora.

As praças, quadras e espaços de convivência comunitária são outros importantes instrumentos que possibilitam esse olhar enquanto equipamentos culturais. Predominantemente seu uso é baseado na monocultura das ações, o que acarreta um prejuízo, no que diz respeito a uma dimensão ampla e o uso plural dessas estruturas. Na maioria das vezes, esses equipamentos são abandonados na sua manutenção e gestão, enquanto estruturas públicas. O que abre brecha para o espontaneismo, uso privado e a degradação. O que não é um parâmetro republicado para a gestão dos equipamentos públicos. É preciso pensar formas de gerir essas estruturas de forma compartilhada com a sociedade civil para que exista planejamento e caráter pedagógico que possibilite ampliar a sua diversidade e pluralidade de uso social e apropriação cultural.

Se saímos do âmbito das estruturas do Poder Público, às margens das cidades ainda têm uma série de corredores de equipamentos culturais que precisam ser reconhecidos como tal, como as oficinas de ofícios, os terreiros dos brincantes e das brincadeiras, os espaços verdes e os cantos que vão juntando pessoas as para as práticas comunitárias, sejam os oratórios ou os troncos de árvores que servem como bancos para integração dos moradores.  

Quando a cidade vai sendo reafirmada a partir de suas margens, os equipamentos culturais vão ganhando forma, conteúdo e suas margens começam a se tornar centros de atenção e de ampliação da noção de poder.