Infelizmente o país tem vivenciado as mais variadas nuances do caos e da desordem. Imerso em discursos vazios, politicagem barata e em uma crise abissal que se estabeleceu entre o Supremo Tribunal Federal e o executivo nacional, as olímpiadas de Tóquio foram um respiro necessário. Durante duas semanas e meia o brasileiro sentiu-se vibrante, encontrou bases sólidas e fecundas de um patriotismo que existe na realidade. Um patriotismo que é de fato e não de goela, tal qual o do presidente Bolsonaro.
No Japão, o Brasil fez a sua melhor campanha em jogos olímpicos, foram 21 medalhas ao todo, destas, sete são de ouro. Os atletas nacionais atingiram este feito mesmo vindos de uma país que ainda é parco em investimentos efetivos no esporte. Alguns dos contrassensos mais complexos residem neste dogma, o país que varou madrugadas vendo competições, torcendo, se emocionando; é o mesmo que oferece condições, às vezes, impraticáveis, para que seus atletas treinem e cheguem ao topo do pódio.
A delegação brasileira era uma das maiores da história, foram 309 esportistas. Atletas que retornam com sentimento de vitória, e o devem fazê-lo. Pois em tempo de escassez de recurso, de cortes de 20% no Bolsa Atleta, o que eles fizeram é digno de vitória. Os desportistas brasileiros estão, essa é a verdade, no topo do pódio. Diante do naufrágio das suas condições de exercício do esporte, chegaram à Tóquio e conseguiram, neste período, emocionar e vivificar, momentaneamente, uma nação já tão machucada.
Foram muitos os momentos que fizeram com que a bolha fosse furada, com que ao menos por alguns segundos houvesse o desligamento das múltiplas dores que ainda maculam o Brasil. As redes sociais se encheram de exemplos de emoção, na conquista da pequena Rayssa Leal, de treze anos, no skate. Ou com a luta das meninas do vôlei que, de desacreditadas no início, foram ao pódio e ostentam com orgulho uma honrosa medalha de prata.
Isaquias Queiroz remou com um Nordeste inteiro ao seu lado, e mais uma vez encontrou mundo a fora o correr das águas nordestinas. A medalha de Isaquias, como as demais, encontra-se ancorada em muitos peitos pelo país. Peitos que bateram forte nestes rápidos dias de competição. Mas até isso estava um pouco diferente, naturalmente a competição teve seu posto, mas durante seu percurso abriu espaço para discussões importantes, desde aspectos psicológicos, até a união indispensável entre atletas.
Tóquio trouxe, nestes poucos dias, um sentimento que já vinha sendo esquecido. Durante este período o patriotismo voltou a existir, um patriotismo verdadeiro, daqueles que se orgulham do solo que habitam. Patriotismo que existe enquanto prática, e não como retorica politiqueira e barata. A narrativa do patriotismo olímpico é fundamental. Fundamental para que, quem sabe, haja um despertar social. Porque o país que se encanta por Rebeca Andrade ao som de Baile de Favela, claramente, não é o mesmo país que coaduna o governo atual.
O gingado, o jeito manso e carismático. A magia que existe em Rebeca. Esse é o Brasil do patriotismo de fato. Esse foi o Brasil que furou por alguns segundo a bolha do bolsonarismo abjeto, incapaz de compreender a extensão das falas que são postas no debate público.
O Brasil mostrado em Tóquio é o Brasil da constante superação. 42% dos atletas nacionais não dispunham de patrocínio, 13% precisaram fazer vaquinha para conseguir viajar. O contexto ainda piora, especialmente, quando se constata que 10% dos representantes brasileiros no Japão não sobrevivem do esporte que praticam, não são raros os relatos de atletas de ponta que atuam como motorista de aplicativos e uma série de outros bicos.
O Brasil de Tóquio foi o Brasil do respiro, uma pequena fagulha que foi capaz de apontar esperança. Mas é um sentimento que ainda não sabe se fica. Porque é inadmissível que se exija a perene repetição do milagre. Em 2021 o Brasil entregou seu melhor resultado, superou a ausência de infraestrutura que acompanha vários profissionais, assistiu a vitórias que deram uma luz para o amanhã. Resta ver quando este amanhã chegará.
Passada a Olimpíada, as emoções, e as belas cerimonias de abertura e encerramento, voltamos à realidade. Na realidade brasileira o patriotismo bolsonarista segue de goela, ele mantém a baladeira esticada e tenta a todo custo forçar as instituições democráticas. As Olímpiadas foram um respiro, uma pausa na loucura social brasileira. Mas, agora, é necessário e urgente que o se aja na seara pública, para que o discurso raso, hediondo e apolítico seja suprimido. Assim, em 2024, quando a olímpiada chaga à Paris, voltaremos às telas um tanto quanto mais sorridentes. Que em 2024 a torcida se faça lotando estádios, que os brasileiros se lotem de medalhas, e que a torcida nacional não precise ver os jogos quase que em uma realidade paralela ao espectro nacional.
Everaldo Marques, narrador da TV Globo, usa seguidamente o bodão: você é ridículo. Ele o faz diante de um feito importante. Sendo assim, para que as nuances de caos diminuam, é indispensável que haja muitos fatos nestes três anos que antecedem o próximo evento. O primeiro: você é ridículo; precisa ser expresso em 2022, assegurando um patriotismo mais de fato e menos de goela. Entretanto, por ora, é preciso de dizer a todos os representantes brasileiros em Tóquio: vocês foram ridículos.