O Homem que escrevia sonhos

Palavras e números criam um arsenal de esperança




Coluna do Alexandre Lucas, Colunas

Na casa, os cadernos se espalham, alguns de tão velhos parecem ter ganhado asas, outros rastejam, alguns estão escondidos, talvez para guardar segredos. Palavras e números criam um arsenal de esperança.  Depois de uma certa idade, o jeito é apelar para sorte. O ânimo e a disposição mudam de estação, o corpo já é uma máquina velha, onde as peças estão desgastadas, mas ainda funciona precariamente como toda máquina velha. A diferença é que a máquina humana tem outras engrenagens: complexas, confusas e únicas. Enquanto isso, Raimundo, escreve sobre o raio e o mundo. A máquina velha anota as possibilidades e faz os cálculos possíveis. Aguarda! Não foi desta vez e continua escrevendo.    
Raimundo, a máquina velha, não desiste, junta suas memórias e suposições, como se tivesse fazendo ciência. Os bichos, as pessoas e as coisas dos seus sonhos ganham códigos para sua sorte. Sonhar com a mãe é certeza de dar o número quatorze. Se sonhar andando pela rua vai dar cavalo e se um defunto aparecer no meio do sonho vai dar elefante.
Raimundo joga muito e ganha muito pouco, ganha mais palpites que dinheiro, não deixa de ter palpites nem de jogar, e ainda, escreve reto em sortes tortas.  
Raimundo diz que o Jogo do Bicho é diferente da Mega Sena, mas diz também que não tem ideia de como jogar, mas joga. Parece que jogo tem um segredo: viciar a esperança.
Quando ganhar muito dinheiro, desses que demoram dias para contar, aquela velha máquina, talvez continue sendo uma velha máquina, sem peças novas, com a mesma vidinha de quem nunca ganha. Talvez nada mude para Raimundo. A idade desfez a exigência da mudança. Raimundo joga para acertar um erro que não foi seu e dividir o que nunca pode dividir, até se tornar uma máquina velha.  
Raimundo, a máquina velha, continua escrevendo sonhos.
Os cadernos vão se multiplicando a cada dezena de jogadas, uma literatura cheia de intervalos e imaginações vai sendo escrita, porque Raimundo, dorme pouco, mas sonha muito.