O Governo Federal sobe o tom e se isola

Demonstrando desconhecer a Constituição que jurou defender, o mandatário nacional encontra-se perdido na narrativa que ele mesmo vem buscando costurar.




Colunas, Paulo Junior

Atenção: Esta edição da coluna foi produzida antes dos fatos noticiados no fim da manhã de hoje, a saída de Moro do governo. Em breve este espaço trará a repercussão desse fato no meio político e as possíveis consequências.

Certamente, o leitor mais atento desta coluna já notou que os temas que vem sendo abordados estão em um quadro de macropolítica nacional, notaram, ainda, que seguidamente este espaço reflete sobre atos, atitudes, falas e posições do atual Presidente da República e de seu corpo de auxiliares. Talvez, parte destes leitores julgue como ação estranha, ou desarranjada, tal sucessão de textos. Todavia, o momento que ataca o país é drasticamente grave. Logo, exige que uma carga densa de percepções seja direcionada aos mandatários maiores da república, especialmente quando estes têm o papel de guiar milhares de habitantes.

 O bojo de declarações exaltadas e no mínimo inoportunas do atual gestor federal, obrigam a produção de diálogos e interrogações diante das falas por ele produzidas. Desde o início da pandemia no Brasil, Bolsonaro e/ou seus auxiliares já declararam que se tratava de um plano comunista, criaram duas crises diplomáticas com a China, disseram que o Coronavírus era uma gripezinha, entraram em guerra com os governos estaduais, fundaram uma briga pública com o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia. E agora, de modo crasso, o Presidente da República compareceu a manifestações que clamavam pelo retorno da ditadura, pela reedição do AI-5 ou pelo fechamento solitário e autoritário do congresso nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal). Tudo isso em plena vigência de normas de isolamento social.

 Na manifestação antidemocrática que compareceu, em Brasília, Bolsonaro fez questão de discursar e afirmar com ênfase que estava ali por um singular motivo, acreditava nos manifestantes. Tal argumento é a consolidação do afastamento entre Bolsonaro e qualquer conhecimento sobre aspectos democráticos, pois para que haja uma sociedade livre é necessário, além da crença, o exemplo, a luta cotidiana e o combate a qualquer posicionamento absurdo, vazio e opressor.

 Demonstrando desconhecer a Constituição que jurou defender, o mandatário nacional encontra-se perdido na narrativa que ele mesmo vem buscando costurar. Sua base de apoio vem se esfacelando, e no embate diário com os governos estaduais anota sucessivas derrotas. Tanto que o STF deferiu liminar autorizando estados e municípios a descumprir possíveis ações do governo federal que busquem a reabertura abrupta do comércio, e posterior fim das medidas de afastamento social.

  O Governo Federal está inteiramente imerso no filtro bolha de Eli Pariser. Assim como o cidadão comum está acostumado a isolar-se em grupos que coadunam suas ideias, o governo vem replicando está prática. Hoje, mais que na gênese dessa gestão, o outro está expurgado, deixando de fora do diálogo, quando existe, fora da possibilidade de outros olhares. Esta gestão está fechada nela mesma, sente-se dona de uma verdade absoluta e incontestável. O filtro bolha suprime a diferença, tapa os ouvidos e aponta como órgão máximo do ser humano a boca, a voz. Atualmente reside no Planalto Central a república do megafone, onde um pequeno grupo fala e exige que milhares concordem e não contestem.

A praça dos três poderes deveria ser, como já o fora, o símbolo do equilíbrio de poderes, judiciário, legislativo e executivo em uma convivência harmônica e democrática. No entanto, o que se vê hoje é um ringue de grandes duelos, pois cotidianamente o executivo anseia por sobrepor-se, e a figura do presidente ainda enseja sua gama de seguidores por um caminho que profana a liberdade. Pois estes desacreditam e xingam a imprensa, pedem a cassação de ministros do Supremo, fechamento do Congresso. Ironicamente, os manifestantes inflados por Bolsonaro clamam por um Estado não que os permitiria agir como agem. A descrença na política, nas instituições e o surgimento de outsiders produzem situações emblemáticas, situações que levam o cidadão a lutar contra ele mesmo.

O caos é a ordem do governo, sob o caos ele existe e mantem-se de pé. Quando há ordem a ineficiência é luminar, no desarranjo qualquer desculpa cabe, qualquer demissão é justificada, e todas as agressões são ponderadas. A família Bolsonaro vem querendo estabelecer no Brasil a internet como uma esfera pública eletrônica, tal qual pensou Beatriz Sarlo sobre o tema, entretanto, eles fazem isso no desnudar da sua ignorância. Pois no sonho longínquo da família Bolsonaro, qualquer outra esfera será apagada, existindo somente aquela em que eles se sentem livres para professar suas indolências e rasidades, contestando as instituições e construindo uma narrativa de vitimismo e perseguição.

            O Governo Federal está cada vez mais isolado, fechado em si mesmo, e ao mesmo tempo conjurando confrontos internos. O isolamento, neste caso, não é uma boa alternativa. A solidão do poder pode conduzir a atividades de destruição e de fim. Atividades que tendem a estar guiadas pelo egocentrismo e pelo desejo de permanência no poder. Infelizmente esse contexto não está distante, defronte ao isolamento e a redução gradativa de apoio popular, Bolsonaro já toma decisões de cunho surreal, e as vivência.

 Na solidão do Planalto Central o Ministério da Economia e Casa Civil estão desencontrados. Enquanto o primeiro pensa um plano econômico com busca de recursos privados, o segundo anuncia um projeto voltado ao investimento público. Ao mesmo tempo que a Casa Civil faz tal anúncio, Salim Mattar, secretário de desestatização, afirmou que não há caixa para o plano alardeado.

E é assim, sob o signo da colisão, que o Governo Federal se guia. Colide com o Congresso Nacional e o ataca, colide com a justiça, com a sociedade, com a imprensa. No balançar diário das pedras colide com a democracia. Mirando a bolha, a militância que ouve seus brados e não questiona, apenas segue, o Governo encampa uma briga belicosa e desnecessária. Afinal, gestão se faz com bom senso, diálogo, aprendizado e respeito democrático. Faz-se com uma sociedade protegida e livre. Livre do fantasma do cerceamento do ato de ser livre. Faz-se com atenção incorruptível a ciência, educação, saúde e economia, porém, sabendo compreender e eleger corretamente qual prioridade se encaixa em cada momento. Ao Governo falta atenção, assim como muitas o próprio Governo Falta.