O Governo Federal e a imunização contra a Covid-19

A liberação emergencial de duas vacinas exige que um longo plano logístico seja posto em prática, assim como exige um discurso coerente com a vacinação. Resta a dúvida sobre o que esperar do executivo federal.




Colunas, Paulo Junior

O dia de ontem ficará para história, 17 de janeiro de 2021 certamente não será lembrado como um domingo qualquer, mas sim como o domingo do renascimento da esperança em um cotidiano diferente. Ontem, em uma reunião que durou mais de cinco horas, a diretoria colegiada da Anvisa aprovou o uso emergencial de duas vacinas, a Coronavac, da farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, e a vacina desenvolvida pelo consórcio Astrazeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Apesar de se tratar de uma validação temporária, a aplicação desses dois imunizantes já trará grande alívio para parte do sistema de saúde.

Entretanto, entre alegrias e sorrisos, é preciso desde agora refletir sobre qual será a atuação do excetivo federal nesse processo. O presidente da República bradou contra a vacinação, chegando a colocar seu histórico de vacinas sob sigilo. Bolsonaro, como é de amplo conhecimento, também falou, e fala, contra as medidas de prevenção ao novo Coronavírus, além de ter demitido dois ministros da saúde no auge da primeira onde contágio. Ou seja, o Governo agiu mais pelo caos do que pela busca de um mínimo padrão de ordem.

A liberação concedida pela Anvisa, em determinada medida, é uma das maiores derrotas políticas que o Planalto sofreu nos últimos anos, especialmente, porque o maior número de vacinas será oferecido pelo Instituto Butantan, alvo de múltiplos ataques do Governo Federal. Bolsonaro, como outros entes políticos, segue politizando a vacinação. Entretanto, quando a maior autoridade política do país faz isso repetidamente, os problemas, além de maiores, são variados.

João Dória (PSDB), governador de São Paulo, conseguiu vacinar a primeira pessoa do Brasil, tratou-se de Mônica Calazans, enfermeira negra da rede de saúde paulista. Enquanto Dória, politicamente, registrava um momento que já nasce histórico, Bolsonaro, em silêncio, estava nos porões no Palácio do Alvorada planejando a próxima fala desastrosa, ou o próximo ataque de desumanidade.

A vacinação, segundo Pazuello, deve começar na quarta-feira, 20, será um teste de fogo para um Ministério que desacreditou a imunização, e que em sua primeira declaração público após a liberação, optou por posicionamentos que rumam à politização e que contam com um certo ar de agressividade. Pazuello, como é de seu costumo, tratou a imprensa com rispidez e desapreço, no fim, pouco disse e deixou pairando no ar a dúvida sobre o amanhã.

As declarações a partir de agora deveriam caminhar para o crédito na ciência e naquilo que comprovadamente tem eficácia. Espera-se que Bolsonaro ao romper o silêncio, fale pela primeira vez com sensatez, dignidade e ciente do cargo que ocupa. Os momentos que se seguem a partir dos próximos dias exigem líderes capazes, gestos eficientes e defensores da vida. É preciso o fim da necropolítica bolsonarista.

O processo de imunização irá demandar muitas mãos. Demanda a consciência de que a ciência não dotada de um dono especifico, de modo ainda mais primordial, em momentos de emergencial global.

O Brasil esteve durante meses sofrendo de dores que à medida que são indescritíveis, também são profundas. Dores que entre muitas causas encontra lugar na ingerência política que assola o Brasil. A pandemia de Covid-19 que assusta o mundo tem características muito peculiares em solo tupiniquim. O Brasil, e os brasileiros, foram vítimas de autoridades que, em determinados momentos, foram quase inoperantes. Vítimas de um negacionismo que, infelizmente, encontrou apoio naquele que deveria ser o líder maior da nação.

Qual o papel de um presidente e de seus auxiliares? São muitos, isso é fato, todavia, um dos maiores é a busca pela garantia da vida, há que se questionar se isso vem ocorrendo. Porém, para buscar a vida e defender os pátrios nacionais nunca será tarde, talvez, mesmo estando nos porões no Palácio do Planalto ou do Alvorado, Bolsonaro agora entenda isso.

Se ele não compreender, ver-se-á um caos, pois ter-se-á, como já se observa, um alto grau de ingerência no seio do executivo federal. Isso se diz, porque as doses que serão entregues nesta semana são mínimas, há muitas por vir, comprar, fabricar, distribuir. É preciso logística e é preciso discurso. A logística entrega, organiza; o discurso leva as pessoas ao posto de saúde. A logística não deixa faltar, vacina a todos; o discurso nega o negacionismo, e diz corretamente que ainda é preciso usar máscaras, higienizar as mãos e manter o distanciamento.

Bolsonaro, e o bolsonarismo, na sua ânsia por defender a economia, precisam entender que é necessário defender a vacina. Bolsonaro precisa acordar de seus loucos devaneios e compreender, ao menos por alguns momentos, que a boa política defende a vida. Entender que um presidente comanda uma nação, ao invés de viver de desmandos que ultrapassam o absurdo.

Felizmente há por parte dos governadores um esforço coeso e coerente. Esforço, este, que diálogo com a ciência e com a vacinação. O esforço dos executivos estaduais será imprescindível para impor à esfera federal a organicidade que dela é esperada.

Ontem, como dito no início deste texto, houve uma nova chama de esperança. Chama que, ao que tudo indica, nem mesmo o negacionismo abrupto poderá apagar. Como cantou Belchior: “Há muito, muito tempo, que estou (estamos), longe de casa”. Aparentemente, está mais próximo o dia de voltar.