O esvaziamento da esfera pública de debate

Acentua-se no país o silenciamento e a diminuição da relevância do debate público. Assim, esse ponto da esfera tem se tornado espaço de repressão




Colunas, Paulo Junior

É inegável a complexidade do momento atual para o mundo, para qualquer sociedade que compreende a dificuldade de lidar com uma pandemia e com as complicações econômicas que ela causa. Nestas circunstâncias o debate público é fundamental. Fundamental porque é o ambiente da pluralidade de vozes, percepções, inquietações, possibilidades e alternativas. No entanto, é notório o sequencial esvaziamento da esfera pública enquanto âmbito de discussão concreta.

A ausência de um tom minimamente conciliador para lidar com a gravidade atual, buscando unificar forças e recursos, é um dos fatores que contribuem para esse esfacelamento. O ambiente público deve sempre ser preservado enquanto espaço da divergência saudável e benfazeja, todavia, o que se nota, acentuadamente desde 2018, é que a gestão federal compreende esse lugar como um lugar de combate, ou melhor, de repressão.

As seguidas posturas, falas, desrespeitos… atribuídas e produzidas publicamente pelo presidente e seus auxiliares formam, e reafirmam constantemente, a lógica da repressão, do distanciamento entre mandatário e sociedade. Além de escancarar a incapacidade de gestão e leitura do quadro atual.

O esvaziamento da esfera pública é, sem menores palavras, o esvaziamento da sociedade, de suas palavras, anseios e mais duras questões. Ações que buscam dar vasão a este silenciamento almejam que haja uma casta de iluminados. Iluminados que seriam, então, capazes de guiar a população a um novo mundo.

As matizes que dão corpo a esse processo são múltiplas, seguidamente se vê o desrespeito e a tentativa de censura a imprensa, intimidação de jornalistas, inabilidade para vivência harmônica de poderes. Acresce-se, ainda, a construção cotidiana de noticias falsas, tentando assassinar reputações e atingir ex-aliados políticos. Lista-se, também, o descrédito dado a ciência e a universidade, ambas vitimas de ataques rotineiros. Ataques que objetivam reduzir a capacidade de ação e impacto dessas instituições.

Entretanto, é preciso lembrar que os grupos de oposição também contribuem para essa escalada. A oposição brasileira ainda não aprendeu a lidar com outsiders. E assim, aparentemente joga no vazio, e corre o risco de jogar com armas muito semelhantes as que, em tese, deseja combater.

A oposição nacional foi incapaz de produzir, efetivamente, embargos e articulações mais ferrenhos. As maiores crises da gestão federal tiveram origem nela mesma, algo que evidencia uma dupla incompetência, a do Governo e a dos núcleos de oposição. Que vem encontrando dificuldade para emplacar discursos, pensamentos e figuras públicas. As eleições municipais serão uma prova de fogo para ambos os lados desta moeda. O Governo precisa mostrar que ainda conta com alguma força, e a Oposição tem que apontar que está caminhando para o seu ressurgimento.

Nessa sequência lembrar o cidadão como ente político é indispensável. Pois este ente também contribui para o silêncio da esfera pública. É essencial que o cidadão volte a ocupar o centro desse diálogo, e para tal precisará agir, falar, gritar e ocupar (quando for possível, o país ainda vive a pandemia). A sociedade não pode ser passiva, como vem sendo em alguns momentos, é necessário que haja um corpo social ativo. Ativo em todas as camadas desta esfera.

Pensar que as redes sociais dão conta de tudo é limitar e incompreender o que significa um campo público de debate. Este campo anseia por um povo que fale. Fale na rua, na mídia, nos âmbitos políticos, na escola, universidade…. é preciso falar.  Claramente que olhar as redes e importante, e é algo que não deve ser subestimado. No entanto, ao consubstanciar a esse local como uma esfera pública eletrônica, segundo definição de Beatriz Sarlo, não se deve esquecer da esfera pública que não é eletrônica, e que também tem força, inserção e incursão.

Há um longo processo para que se veja um âmbito de amplo debate, para que isso ocorra é necessário que a repressão que pauta o presidente seja tolhida, que a oposição se encontre e construa ações que encaminhem para uma defesa concreta do Estado e da sociedade. É importante que a mídia não faça manchete de toda rasidão produzida pelos ocupantes do Palácio do Planalto. É indispensável que haja uma sociedade ciente que não pode ser manobrada para consubstanciar cessões de liberdade.

O esvaziamento da esfera pública de debate é o esvaziamento da palavra, do diálogo, da divergência. É a construção do silêncio. Silêncio perigoso, pois produz o barulho da ignorância e assanha o autoritarismo. E essa união produz a incoerência, o desejo pela volta militar, a descrença na pandemia, a agressividade. Produz dores. E essas dores, irremediavelmente, produzem a morte.