O bruxo Machado de Assis

Nascido em 21 de junho de 1839, Machado de Assis, é sem dúvida, um artífice da palavra.




Coluna Literária, Colunas

“Ponto fora da curva” – assim penso em Machado de Assis (1839-1908) – escritor que dominou praticamente todos os gêneros literários. Foi poeta, contista, cronista, dramaturgo, jornalista e crítico literário.

Nascido em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, Machado, homem negro (embora não fizesse referência a esse fato), com pouco ou quase nenhum estudo formal, foi, antes de tudo, um sujeito curioso, disciplinado, arguto e perspicaz que testemunhou grandes acontecimentos políticos e históricos, como a substituição do Império pela República e a Abolição da Escravatura. 

Sua obra é extensa e variada. Com a publicação de Memórias “Póstumas de Brás Cubas”, em 1881, a crítica literária o consagrou como o introdutor do Realismo no Brasil. “Quincas Borba” (1891) e “Dom Casmurro” (1899) completam a trilogia realista machadiana. 

Machado foi um leitor atencioso de Luís de Camões (1524?-1580). É o prosador brasileiro que mais referências, alusões e paráfrases fez ao bardo português. Apropriar-se da Poética de um escritor exige do leitor atenção, paciência, além de inúmeras leituras. Nem sempre quando lemos um escritor pela primeira vez nos identificamos com ele. 

É o que aconteceu com o poeta “gauche” Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Em seu texto “Sobre Tradição em Literatura”, no arroubo da juventude, em que nossas opiniões ainda estão em fase de maturação, o jovem poeta itabirano, classifica o criador da Academia Brasileira de Letras (ABL) como um escritor egocêntrico, tedioso e difícil de ser lido.

O Drummond que estreia em 1930 com uma obra essencialmente individualista –  “Alguma Poesia” –  é o mesmo que em 1925 critica Machado e ainda o chama de “monótono”. Erroneamente profetizou que “O escritor mais fino do Brasil será o menos representativo de todos”.

Ler é importante, reler é uma experiência revitalizadora. A releitura de um texto ou de um autor nos possibilita corrigir certas posturas, ter outros entendimentos e, consequentemente, ampliar nossa visão acerca de sua obra, por isso, cada vez que a relemos nos tornamos mais íntimo dela.

Em 1958, Drummond não só releu o autor de “Esaú e Jacó” (1904), como a ele dedicou um longo e belo poema: “A um bruxo, com amor”. Releitura é alteração de leitura e de postura do leitor.

Na condição de leitora, as personagens de Machado me chamam especial atenção. As dotadas de pureza, sensibilidade, aspiração materna, doçura e desejosa de encontrar o amor eterno não nasceram da mente machadiana. As mulheres de Machado de Assis ou em Machado de Assis são fortes, complexas e têm como marca a sagacidade, a perspicácia, a beleza, a sedução, a cultura, um tom enigmático e interesseiro.

Elas foram criadas não como objeto de posse do masculino e tampouco acreditavam que o casamento fosse sua salvação. Em pleno contexto do século XIX, sociedade patriarcal, não ficavam à mercê das normas sociais. As mulheres machadianas são fortes, guerreiras, inteligentes e lutam para satisfazer seus desejos.

A escrita machadiana é milimetricamente planejada – encanta, seduz, estabelece pontes com outros escritores e outras artes. Machado nos diz muito sobre nós, ainda hoje, por isso é importante lê-lo e relê-lo.