Novamente no Roda Viva, Haddad não surpreende

A entrevista de Haddad mostra que ele até ensaia alguns novos caminhos, mas ainda são esboços que carecem de aperfeiçoamento e de compreensão ampla da estrutura que ele integra




Colunas, Paulo Junior

Ontem aconteceu mais uma edição do programa Roda Viva, desta vez o entrevistado foi o ex-Ministro da Educação Fernando Haddad. Haddad ocupou o centro do programa pela quinta vez, duas destas participações ocorreram em 2018, quando ele era candidato do PT à Presidência da República. A entrevista seguiu o mesmo tom de sempre, ou seja, foi menos do que poderia ter sido.

Fernando Haddad é um nome em franca ascensão, especialmente quando observado a estrutura interna do PT. Logo, sua presença naquele quadro poderia ser espaço para abordagem de um conjunto múltiplo de questões, mas também para buscar aprofundamentos e complexificações sobre temas atualmente urgentes e necessários.

Foram quase uma hora e meia de conversa, neste tempo viu-se um pouco daquilo que o partido e o integrante esboçam sempre, ou seja, houve pouca novidade sob o sol. Ainda assim, o ex-postulante ao Planalto produziu algumas declarações que soam minimamente certeiras e pensadas. Provavelmente, um dos pontos altos do diálogo se dá quando Haddad afirma que maior preocupação do PT deveria ser a recuperação de sua credibilidade junto a sociedade, compreendendo os problemas que levaram o partido ao momento atual.

No entanto, tal racionalidade é diminuída quando o assunto é o ex-presidente Lula, ao falar do líder da legenda, Haddad se apequena, se diminui e praticamente se anula. Quando o assunto é Lula, a complexificação torna-se mais rasteira e menos racional, fica nítido o apego a um ideal de Lulocentrismo que ainda vigora por lá. O personalismo marca fortemente as falas de Haddad, marcam porque trata-se de uma característica, ainda, inata ao PT. Assim como o partido como um todo, o ex-prefeito de São Paulo não consegue deslocar a legenda para além Lula.

Todavia, esse deslocamento precisará ocorrer, e o próprio Haddad tem conhecimento dessa necessidade, resta que a estrutura da organização se mova nesse sentido. Certamente para tais movimentações será necessário que o PT realize concessões, descendo um pouco do pedestal que o partido ainda se coloca. Neste âmbito, posicionamentos direcionados a cessão de cabeça de chapa, ampliação de linhas de diálogo e exercício crítico de ações pregressas é algo indispensável. Haddad tenta realizar alguns desses caminhos, mas o centralismo que vigora na legenda trava-o.

Reclamando que não é chamado a opinar sobre as grandes questões do país, furtou-se a posicionamentos mais diretos e duros. Fernando Haddad já está calejado das velhas práticas da política, logo, escapou e tangenciou uma série de questões. Quando o entrevistado reclama de não ser solicitado, há problemas, mas há também o escancaro de baixa ressonância de sua voz. Apesar de mostrar-se interessante, Haddad é vítima de um PT que ainda cultiva poucas vozes, assim, sem polifonia o partido fala por alguns iluminados, nem sempre o ex-prefeito está na lista.

A entrevista de Haddad mostra que ele até ensaia alguns novos caminhos, mas ainda são esboços que carecem de aperfeiçoamento e de compreensão ampla da estrutura que ele integra. No fim, o Roda Viva oferece dois vieses interpretativos, é possível analisar a entrevista a partir de Haddad e a partir do PT, provavelmente se verá alguns choques.

Chamou a atenção a citação direta à Camilo Santana, governador do Ceará.  Haddad elogiou as ações do governador no combate a pandemia, ainda teceu observações positivas sobre a educação do estado, além de defender o posicionamento de Camilo sobre a participação de militares de carreira na política. Segundo o governador tal atividade deveria ser vedada. Esse lastro de elogios não se direciona unicamente ao reconhecimento de Santana como uma liderança do que seria uma renovação da legenda, mas trata-se, especialmente, de um chamado. Chamado a permanência. O PT sabe da histórica aproximação de Camilo com a família Ferreira Gomes, sabe que Camilo apoiou publicamente Ciro Gomes. O PT sabe que no momento da decisão final poderá perder Santana, e assim reduzir sua atuação e influência no Ceará.

A entrevista teve bons momentos, mas no final fica impressão da sua superficialidade. O Roda Viva precisa acordar e buscar a incisão, tirar declarações vertiginosas. O programa vem crescendo, mas ainda está longe dos tempos áureos. Por hora, alguns políticos seguem escorregando, saindo pela tangente e usando o programa de vitrine. Haddad escorregou, porém evidenciou que a estrutura do PT ainda está posta, mesmo com algum processo de mudança. Mostrou que há a prisão ao ideal de liderança, trouxe um acordar para críticas contundentes ao Governo e a figura do presidente, críticas que não marcaram 2018. Entretanto, fica a noção de que o tom certo ainda é uma busca, tanto para o PT, quanto para Haddad.