Motociatas e Copa América: a tentativa bolsonarista de recuperar o controle narrativo

Bolsonaro vem criando e guiando parte significativa da narrativa política desde sua eleição. Agora, a bolha foi furada, a CPI Covid-19 retira de suas mãos o controle. Senhor do caos, ele quer controlar novamente.




Colunas, Paulo Junior

Desde que foi eleito presidente da República, em 2018, Bolsonaro e seu grupo vem conseguindo guiar e comandar as pautas do dia. A cobertura jornalística e o próprio cotidiano político estavam seguidamente marcados pelos desmandos praticados pelo Palácio do Planalto. Não havia quase nada que fosse capaz de furar a bolha, e colocar o bolsonarismo em xeque para além do que eles mesmos produziam. Pois bem, a CPI Covid-19 reorganizou a pauta, e Bolsonaro não tem controle sobre ela. Assim, busca em modo desesperado retomar o controle da sua narrativa caótica, no jogo estão as motociatas e a Copa América no Brasil.

Bolsonaro tem um método de sobrevivência, ele deseja conformar a sua narrativa, não necessariamente uma narrativa positiva, mas alguma sobre a qual ele detenha comando. O cercado de Brasília era o local ideal, diariamente proferia frases em desfavor de algo, alguém, ou realizava um ataque direto às instituições. Assim, sabia desde cedo o que seria repudiado pela oposição e o que guiaria, em princípio, a cobertura jornalística. Bolsonaro é ligado ao caos, é a única lógica capaz de acompanhar, a ordem o limita, pois o obrigaria a pensar segundo padrões humanos e sociais.

Passado mais da metade de seu Governo, a oposição agia passivamente, de modo pouco propositivo e sem causar grandes problemas ao diário bolsonarista. A narrativa governista seguia intacta, já que em linhas gerais, Bolsonaro fala aos seus convertidos, e quanto mais contra mão ao mundo melhor. Ele mantinha o discurso de perseguição, teoria da conspiração, e seguia firme no ato de alimentar a esfera pública com a antipolítica.

Contudo, a CPI Covid-19 é o trunfo da oposição, que finalmente conseguiu interromper a passividade, e depois de mais de dois anos está conseguindo tirar o capitão de sua zona de conforto. A Comissão pauta o dia em Brasília, pauta a política, e pauta aquém do que deseja o presidente.

Incompetente na sua articulação, o Planalto perdeu o bonde e ficou em minoria na composição da CPI, assim, observa cotidianamente os seus nomes serem repreendidos pelas delirantes histórias que tentam criar. O Governo se esforça para tirar o foco dos fatos em investigação, se esforça para voltar a coordenar o caos. Mas, por ora, tem obtido pouco sucesso.

As oitivas tem sido marcadas por vexames, membros e ex-membros do Ministério da Saúde colocados contra a parede. Recursos mandados ao STF para não responder sobre determinados assuntos. Mentiras desvendadas durante o depoimento, situações de indomínio intelectual sobre o vírus transparentes e expostas. O gabinete paralelo sendo iluminado. O Governo vive, pela primeira vez, uma crise política que não foi ele que criou. Mas também o foi, afinal a incompetente gestão da pandemia trouxe o Brasil a comandar uma CPI em plena nova onda de contaminações.

Assim, diante da ausência de controle do caos que se instala da gestão federal, o presidente e sua trupe tentam redefinir a atenção política, social e midiática. Nesse caminho, o presidente passeia de moto pelo país, faz motociatas em plena pandemia, aglomera, grita, xinga, não usa máscara.

As motociatas irão se espalhar pelo país, o contribuinte pagará para que seu presidente passei e escancare ainda mais a sua incapacidade intelectual. O contribuinte paga para que o presidente tente produzir uma nova onda de caos. Só que nessa onda Bolsonaro quer ser comandante, ao invés de tripulante.

A Copa América segue a mesma lógica. O ocupante do Palácio do Alvorada anseia que o circo entregue ao povo lhe possibilite o Maracanã cheio e uma taça na mão, quer posar de vencedor. Ele quer que os seus adversários repudiem, enquanto seus cegos apoiadores o aplaudem como se endeusassem um salvador visionário. Ele deseja voltar ao cercado de Brasília, mas tem sido difícil voltar.

As declarações absurdas também voltam ao jogo como se fossem capazes de definir a partida. Nesse bojo entra a fala do presidente no intuito de desobrigar o uso de máscara por pessoas vacinadas. Bolsonaro quer retornar a março de 2020, rediscutir a necessidade da máscara e sua relevância no combate ao novo Coronavírus. A máquina do tempo bolsonarista quer uma nova edição do caos de março, quando o cercadinho estava a todo vapor.

A convocação de cadeia de rádio e televisão em 02 de junho também teve esse intuito, caminhar na construção de discurso sob a lógica do caos bolsonarista. No discurso exibido, o presidente falseava dados de vacinas e exprimia um tardio compromisso com a imunização, ao mesmo tempo falava que não decretou lockdown, e que não foi responsável pela debacle da economia. Bolsonaro procura seus bodes expiatórios. No circo da desordem liderado por ele, essa é uma cena fundamental. Resta ver se os culpados eleitos irão, realmente, aceitar a culpa.

A CPI Covid-19 tem um logo trajeto a percorrer, muitos ajustes precisam ser feitos, novos depoimentos serão realizados, novos documentos são esperados. Porém, algo interessante surge como obra da Comissão, a pauta política e midiática foi deslocada das mãos do ocupante do assento presidencial, e isso o assusta. Assustado, Bolsonaro anda de moto por aí, um tanto quanto motoqueiro fantasma.