Mandetta é vítima de si mesmo

A briga que permeia o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto, neste momento, é uma briga antiga, infelizmente. Trata-se de um doloroso duelo entre a ciência e senso comum, entre a comprovação e o achismo




Colunas, Paulo Junior

Os momentos de crise são sempre determinantes para biografia de qualquer político ou gestor público. Essas situações evidenciam aqueles que entrarão para história por seus feitos, e os que, infelizmente, estarão aquém dela, pois envoltos em seus contrapontos infundados, repelem as ações que devem ser adotadas. No entanto, estes também assumem um posto na história, não se trata de um lugar agradável.

Bolsonaro está, aos poucos, definindo seu lugar neste meandro. A crise de saúde vivenciada poderia ser seu momento de auge, de buscar construir uma imagem positiva de si, adotando e defendendo medidas coerentes. Todavia, ele foge daquilo que óbvio, reluzente, do que é nítido a todos que vivem o cotidiano dessa pandemia. Seu ministro da saúde vem sofrendo cotidianamente com a ausência de senso de seu chefe.

Luiz Henrique Mandetta é um político relativamente experiente, passou por dois mandatos parlamentares, sendo assim, colega de Jair Bolsonaro. Logo, Mandetta conhece bem aquele que hoje atua como Presidente da República, sabe das suas muitas e diversas incoerências e das suas ligações escusas.

O atual Ministro da Saúde viveu dias tortuosos, sem saber ao certo se seguiria no cargo, no fim acabou ficando. Porém, trata-se de um ficar temporário, pois o presidente anseia por sua rápida demissão. Mandetta mantem-se no cargo graças a ações incisivas da ala militar e dos parlamentares da base do governo, juntos, convenceram Bolsonaro que o dano de imagem dessa ação seria drástico e incalculável inicialmente. Vozes como a do General Braga Neto (Casa Civil), General Augusto Heleno (Gabinete Institucional de Segurança) e General Fernando Azevedo e Silva (Defesa) foram retumbantes ao atuarem na gestão do assunto, orientando pela permanência do ministro.

Entre os nortes que marcam essa decisão é importante pontuar aspectos eleitorais, tanto o grupo militar, quanto os parlamentares da base, sabem que a demissão de Mandetta seria extremamente criticada pela opinião pública, sabem, ainda, que isso teria forte ressonância no seio da sociedade. Especialmente quando se observa os dados de aprovação do gestor da saúde, Luiz Henrique Mandetta tem mais que o dobro da aprovação de Bolsonaro, quando olhado pelo espectro da crise do Coronavírus. Portanto, demitir o ministro é enfiar o governo em uma crise interna. Crise que seria agravada pelo afastamento com o congresso, já que os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, respectivamente, são veementemente favoráveis a manutenção do quadro atual, no que tange ao Ministério da Saúde.

Acrescenta-se, também, que o movimento de Bolsonaro reforçaria sua imagem unicamente em seu núcleo árduo de militância, afugentando parte substancial do arco que o conduziu ao cargo que ocupa. Afugentamento que já vem ocorrendo, fato que torna-se cada vez mais notório a cada pronunciamento realizado em cadeia nacional de rádio e TV, assim como nos primeiros, o pronunciamento realizado na noite de ontem, 08, foi marcado por panelaços em todas as regiões do país.

O embate entre Mandetta e Bolsonaro tem os tons da campanha eleitoral de 2018, isso ocorre por um fato grave e específico: Bolsonaro ainda não compreendeu que governar não é o mesmo que fazer campanha. Mesmo defronte a uma crise sem precedentes contemporâneos, ele age no vazio, guiado pelo senso comum, tal fato o conduz a uma produção quase que fabril de atrocidades. 

Mandetta é vítima de si mesmo, vítima do quadro nacional que ajudou a eleger. O Ministro da Saúde é profundo conhecedor da ignorância que comanda o Planalto Central, sabe da rasidão de pensamento e do eterno embate ideológico. Conhecedor de tudo isso, associou-se e atuou para que o país estivesse hoje sob condução tão questionável.

  A briga que permeia o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto, neste momento, é uma briga antiga, infelizmente. Trata-se de um doloroso duelo entre a ciência e senso comum, entre a comprovação e o achismo. Mandetta é questionado, porque diante de tudo isso ele deve ser a voz da ciência, uma voz de ponderação e de caminho construtivo. Bolsonaro esbraveja, porque segue crendo que ações de impulso são a solução. Esbraveja, pois não enxerga a possibilidade de colapso do sistema de saúde. Ele grita, ao fazer isso permanece em sua bolha, fechado ao mundo e àqueles que deveriam vê-lo como líder.

O Ministro da Saúde não produz uma gestão altamente exitosa, é preciso notar, acabou com o Programa Mais Médicos, com o Farmácia Popular, extinguiu o financiamento da atenção básica de saúde, não abriu nenhum novo leito de UTI. Entretanto, mesmo diante de tudo isso, defronte a falta que tudo isso faz, o atual Ministro da Saúde deve permanecer no cargo. Pois a sua ausência, significa a presença de alguém com menor, ou nenhum, apreço pela ciência. A saída de Mandetta é perigosa, pois pode abrir caminho para alguém que crer nas crendices do presidente, que assuma a Covid-19 como uma gripe, que acredite que já é hora de um isolamento vertical.

Com todas as ponderações possíveis, a presença de Mandetta significa a presença de alguém que está disposto a defender o básico, a seguir ouvindo e seguindo a ciência, alguém que se mostra capaz de contrariar as orientações do Presidente. Vítima de si mesmo, o ministro vem conseguido moldar uma imagem nova para si. No momento atual, Mandetta está galgando um espaço mais honroso que Bolsonaro na história.