Entre rios e dilemas: como a minissérie “Pssica” muda o olhar sobre o Norte brasileiro

A obra da Netflix coloca Belém no centro da narrativa, quebrando estereótipos e mostrando realidades pouco exploradas do Norte do Brasil.

Colunas, Evellen Rodrigues

Por muito tempo, quando se falava em produções nacionais, a gente logo pensava em Sudeste ou Sul como cenário principal. Mas Pssica, baseada no livro de Edyr Augusto Proença, vira esse jogo. O jornalista, escritor e dramaturgo paraense, com 19 livros publicados, sempre trouxe Belém, capital do Pará, como personagem central de suas obras. Agora, a Netflix leva sua narrativa para milhões de espectadores, colocando o Norte do Brasil em destaque de um jeito inovador.

A palavra “pssica” vem da gíria paraense e significa azar ou maldição. Na cultura ribeirinha da Amazônia, representa um tipo de azar ou força sobrenatural que persegue aqueles marcados por um destino cruel, trazendo ainda mais peso simbólico à história.

Em Pssica, muitas coisas chamam atenção, como figurino, cenários, sotaques, cores e a diversidade de personagens, mas são as denúncias implícitas, presentes desde as primeiras cenas, que mais chamam a atenção, gerando reflexões e debates. A trama acompanha Janalice, uma adolescente que, após ter um vídeo íntimo vazado, é vítima de tráfico humano. Ao mesmo tempo, outros personagens, como Preá e Mariangel, enfrentam dilemas morais e buscam justiça em um cenário urbano amazônico cheio de contradições. Não é só entretenimento, é denúncia, reflexão e choque, tudo junto.

Levar Norte e Nordeste para o centro da narrativa desafia décadas de estereótipos que sempre pintaram essas regiões como exóticas ou apenas “cômicas”. Mostrar o lado cru da Amazônia urbana, suas desigualdades e violências, é uma forma de dar voz a quem quase nunca é protagonista de histórias nacionais. Isso, por si só, já é inovador e necessário.

Com livros como Os éguas, Moscow e Pssica, Edy Augusto Proença constrói um universo literário onde a Amazônia não é apenas cenário, mas espaço de reflexão sobre violência, desigualdade e urbanidade. Sua escrita busca romper com a imagem estereotipada da região e mostrar a realidade de quem vive ali, entre rios, bairros periféricos e dilemas morais complexos.

No entanto, a minissérie, dirigida por Fernando Meirelles e Quico Meirelles, não se limita a denunciar ou chocar: ela provoca discussões e reflexões sobre moral, justiça e o papel da sociedade em situações extremas. Em quatro episódios, consegue transportar o público para a rotina de Belém, fazendo com que cada cena desperte emoções fortes, indignação e empatia. É impossível assistir sem se envolver.

O impacto é evidente, logo após seu lançamento, Pssica entrou para o top 10 da Netflix no Brasil, desbancando grandes produções internacionais. Isso mostra que há espaço e interesse por narrativas que saem do eixo tradicional e colocam Norte e Nordeste como protagonistas. É um sinal de que o público brasileiro está pronto para enxergar outras faces do próprio país, mesmo que sejam duras ou desconfortáveis.

Em resumo, Pssica é mais do que uma minissérie de suspense ou drama. É uma janela para realidades negligenciadas, um convite à reflexão e, ao mesmo tempo, uma quebra de paradigmas culturais. Levar histórias da Amazônia urbana e do Nordeste para o centro da narrativa não é apenas inovador: é urgente.

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