Cecília Meireles: uma poeta sob o signo da perda

Nascida no dia 07 de novembro de 1901, Cecília Meireles, uma das poetas líricas mais proeminentes do século XX, é detentora de uma linguagem elevada e intimista.




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Cronista, jornalista, pintora, conferencista, professora, pesquisadora, tradutora, Cecília Meireles foi uma dessas mulheres que confessava abertamente seu mais terrível vício: “gostar de gente”. Nascida no dia 07 de novembro de 1901, detentora de uma linguagem elevada e intimista, que tratou de temas universais, é uma das poetas líricas mais proeminentes do século XX.

Cecília Meireles (1901-1964), para quem “a canção é tudo”, foi uma poeta encaixada na 2ª Geração do Modernismo brasileiro, criadora de uma obra extensa – ao todo são trinta livros, dos quais onze são póstumos-, multifacetada e singular, edificada em características do Romantismo, do Classicismo, do Parnasianismo e do Simbolismo, como observamos nos versos abaixo:

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação… (Despedida)

Silenciosos fantasmas de outra idade,
À sugestão da noite rediviva
– Deuses, demônios, monstros, reis e heróis. (Espectros) 

Sua trajetória é marcada por uma sensação de perda e de orfandade. A convivência com a morte não lhe trouxe amargura. Pelo contrário: com a ausência dos pais, foi criada por sua avó materna, Jacinta Benevides e por sua babá Pedrina, que lhe contavam histórias que aguçavam sua imaginação e sensibilidade. Além disso, aprendeu a transitar docemente entre o Efêmero e o Eterno. 

As ausências dos entes queridos, a visita à Índia e seu interesse pelo Hinduísmo fizeram com que a morte se transformasse em uma de suas principais temáticas. Contudo, para a autora de Isto ou Aquilo (1964), o fim significava a libertação do sofrimento humano e o apogeu da imortalidade. A morte é, na visão ceciliana, a possibilidade de uma nova existência. A frequência dessa temática pode ser destacada em três de seus livros: Viagem (1939), Poemas escritos na índia (1953) e Metal  Rosicler (1960). Para Cecília Meireles “Nós somos um tênue pólen dos mundos” (Êxtase).

Estreia na Literatura com a obra Espectros (1919), um conjunto de dezessete sonetos (versos decassílabos ou alexandrinos) de influência parnasiana-simbolista retratando temas históricos, religiosos e mitológicos. Quase todos os textos têm como títulos personalidades históricas, como: Cleópatra, Judite, Dalila, Joana D’Arc, Maria Antonieta etc. Além disso, desde pequena Cecília gostava de ler e, partindo da acepção de que um escritor é, antes de tudo, um leitor, já observamos um intenso trabalho intertextual com outros escritores: François Coppée, Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais, Stéphane Mallarmé,  Friedrich  Nietzsche e Herodias. Esse diálogo entre autores, intertextualidade, foi um dos recursos utilizados por Cecília para ampliar sua voz e mostrar suas leituras. 

Em 1939, com a obra Viagem, noventa e nove poemas, sendo que treze são epigramas (poemas com tonalidade mordaz, picante ou satírico, originários da Antiguidade Clássica), ganhou o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. Trata-se de uma viagem interior e introspectiva que passa por sentimentos como a solidão, a melancolia, o sonho, a saudade, o amor, a morte e o próprio fazer poético. No poema “Motivo” observa-se que a criação literária assume a cor da eternidade e a liberdade – “E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a asa ritmada”. Por isso, todo poeta é, antes de tudo, um cantador e/ou um fingidor, para Fernando Pessoa, por quem Cecília sentia uma profunda admiração.

Ler Cecília é como atravessar “noites e dias / no vento”, não precisa, pois, de “Motivo”. Leiamo-nos, pois, essa mulher para, quem “Um poeta é sempre irmão do vento e da água”, logo um sujeito em simbiose com a natureza.