O Estado brasileiro vive um momento mais que difícil. No Brasil, ser jornalista é profissão de risco à vida, do mesmo modo que ser ativista é ter em tempo integral um alvo apontado para as costas. O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips foram assassinados por exercerem os seus papéis, foram assassinados porque acreditavam e buscavam construir um país melhor. Eles foram assassinados por um Estado lento em suas buscas, mas ágil na exploração da Amazônia, na deturpação das políticas indígenas. Mortos por um Estado que já devia estar cansado de ter mártires.
Bruno e Dom desaparecera em 5 de junho, um domingo. E os povos indígenas do Vale do Javari iniciaram por conta própria buscas por eles. A ação do povo indígena daquela área aponta duas coisas importantes. A primeira diz respeito a proximidade e cortesia plena que havia entre o indigenista Bruno, em especial, e os indígenas da área. Porém, a segunda é menos bela, trata-se da perene sensação de ausência do Estado para aquela população, eles sabiam que os órgãos governamentais demorariam agir. Demorariam para fazer o mínimo.
Bruno e Dom foram encontrados dias depois, primordialmente graças à ajuda dos povos do Vale do Javari. Identificou-se até o momento oito suspeitos pela execução dos profissionais. Bruno e Dom foram mortos com munição de caça. Eles foram caçados. Bruno e Dom foram torturados, esquartejados. Bruno e Dom foram tratados como inumanos.
O caso é estarrecedor. Enquanto o indigenista e o jornalista estavam desaparecidos, o presidente da República afirmou que os profissionais tinham entrado em uma “aventura não recomendada”. Mas, certamente essa não é a pior parte daquilo que já foi expresso pelo ocupante do Planalto Central. A política bolsonarista reduz a relevância do povo indígena, contesta a posse de suas terras, incentiva a exploração de florestas, o garimpo.
O governo Bolsonaro é a síntese daquilo que leva ao que foi mostrado nos noticiários por causa de Bruno Pereira e Dom Philips. A política em vigor no país incita o retrocesso, o retorno a um passado de glórias que nunca existiu. Incita o grito, a violência. Incita que quem age para um país descente seja diretamente cerceado, e calado em definitivo.
Segundo dito até o momento, o que motivou o crime foi a pesca ilegal que estaria sendo praticada no Vale do Javari, local que os profissionais estavam. Segundo a Univaja (União dos Povos do vale do Javari), Dom e Bruno recebiam constantes ameaças de morte de grileiros, extrativistas e pescadores ilegais. A Polícia Federal afirma que os suspeitos agiram sozinhos, tese contestada pela Univaja, que defende a existência de mandantes para o assassinato realizado.
Bruno era servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai), estava licenciado desde 2019, quando foi exonerado da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-contatados. Bruno – que em 2019 tinha comandado a maior expedição em 20 anos para contatar povos isolados – foi exonerado do posto por motivações políticas, no primeiro ano da (in)gestão Bolsonaro.
Dom morava no Brasil há mais de 15 anos e era colaborador de periódicos importantes, como o britânico The Guardian, e norte-americano The Washington Post. Dom tinha ido à Amazônia para entender a floresta. O jornalista estava pesquisando in loco para escrever seu novo livro, que se chamaria: Como salvar a Amazônia.
No Brasil de 2022, recua-se na liberdade de imprensa. O presidente grita com jornalistas, e seus apoiadores sentem-se no direito de agredir. No Brasil de 2022, liberdade para se manifestar sobre assuntos duros é artigo de luxo. Assim, a nação figura na zona vermelha de segurança para profissionais de comunicação, segundo a ONG Repórteres sem Fronteira.
No Brasil de 2022, ser ativista é viver o medo diário, é não saber objetivamente até quando poder-se-á andar na rua. Ser ativista no Brasil é estar em um estado democrático que é o quarto país mais perigoso para ativistas ambientais, de acordo com a ONG Global Witness.
Bruno e Dom são mártires do Brasil. Mártires de uma país que devia estar cansado de heróis desse tipo. Bruno e Dom deveriam estar na Amazônia, vivos, fazendo seus trabalhos e guardados pelo Estado brasileiro. Os povos indígenas deveriam estar guardados pelo Estado. Porém, no Estado brasileiro de hoje, Bruno e Dom não serão os últimos mártires.