
Pouco mais de um ano atrás esta coluna estreava no foobá. Em 19 de março de 2020, quando o primeiro texto foi publicado, a temática circundava a ascensão da pandemia de Covid-19 e a ingestão absurda do executivo federal. Aquele texto tinha como norte principal indicar que o presidente Bolsonaro seguia alheio a pandemia, como se em sono profundo não estivesse enxergando o que assolava o país. Bem, após um ano daquele texto, aparentemente o governo segue dormindo. Porém, nem de longe o berço é esplêndido.
O sono do governo federal vem custando vidas nacionais, vem custando o colapso do sistema de saúde e os frangalhos indescritíveis da economia brasileira. O país está vivendo hoje um de seus piores momentos históricos, o futuro reserva a inglória para muitos dos gestores atuais. Reserva a inglória, pois mediante o trajeto da morte vê-se alguns agindo pela sua consolidação.
O colapso que se nota na rede de saúde não deve em hipótese alguma ser tratado com surpresa, pois está tragédia estava a tempos anunciada. Quando não são observados os trâmites e ações efetivas de combate e superação de uma pandemia, ela tende a colapsar o sistema de saúde. O Brasil apostou, indulgentemente, na ignorância, na rasidão de pensamento e em um fazer político que ultraja e humilha o cidadão.
Já são quase 12 milhões de casos oficialmente registrados, e mais de 294 mil vidas ceifadas. Naturalmente que o lastro de uma pandemia é complexo, deixa profundas marcas. Entretanto, quando se trata o incomum com a coerência e a complexidade necessárias, os impactos caminham para sua redução.
Não adianta buscar muitas explicações, as justificativas para o desastre brasileiro na condução da pandemia têm nomes e endereços conhecidos. São públicas as declarações do presidente desacreditando a pandemia, afirmando que se tratava de algo “superdimensionado”. O superdimensionamento do mandatário da nação está transformando o Brasil em um celeiro de variantes do novo coronavírus. Há duas semanas o Brasil é a nação com mais mortes por Covid-19. E quando são observados os dez países com mais mortes pelo novo coronavírus, apenas as terras tupiniquins veem seus dados aumentarem.
Em meio a isso a pergunta que fica é: o governo vai acordar em algum momento? Sinto informar, aos que ainda pensam que ele dorme, que há tempos o governo está desperto. Hoje em dia o executivo federal não mais se encontra adormecido, ele acordou ao Covid-19. No entanto, acordou para seguir construindo a sua narrativa de perseguição e absurdo. A gestão da pandemia persiste pairando sobre a ingestão.
Enquanto faltam leitos de enfermaria e UTI em todo o território nacional, o governo produz aglomerações e sem máscaras grita ao povo que ninguém irá tirar sua liberdade. A liberdade bolsonarista tem tons difíceis de serem observados, pois a liberdade bolsonarista funciona como uma prisão. E nesta prisão o algoz ainda consegue ser amado por alguns.
Em meio ao caos ocorreu mais uma troca no Ministério da Saúde, sai Pazuello e entra Queiroga. Marcelo Queiroga chegou ao governo com status de defensor da ciência, porém, já se ouviu da boca de Pazuello que seu sucesso reza pela mesma cartilha. O próprio Queiroga já flexibilizou suas posições, assim, o país trilha caminho para seguir em um lastro de dores. Com uma biografia a zelar, espera-se que o ainda presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia não jogue a ciência fora para alinhar-se ao raso do bolsonarismo.
Trago novamente aqui a informação de que mais de 294 mil brasileiros morreram perante a Covid-19. Enquanto eles agonizavam em lugares mil pelo país, o presidente achou de bom tom imitar alguém sofrendo de falta de ar. O patriotismo de Bolsonaro não alcança o seu exemplo, o seu discurso e as suas crenças. O patriotismo Bolsonaro se dilui nele mesmo, na sua incapacidade de compreender o significado da palavra e do sentimento.
Enquanto o presidente brada nas lives de quinta, o Brasil patina na vacinação. Patina, pois o país perdeu o bode, o trem, até o ônibus já passou. No momento de comprar o governo silenciou, calou-se para compra e gritou surrealismos anti-ciência. A ode a ignorância do bolsonarismo é a ode à destruição.
O mundo está se vacinando. Já há lugares em que é possível sair as ruas sem desespero. No Brasil, isso não passa de um sonho que ainda parece distante, longínquo. Apenas 5.5% da população recebeu a primeira dose.
O amanhã ainda está escuro, as falas contra a vacinação persistem. Vez ou outra um movimento de compras acontece e há uma luz de esperança. Enquanto governadores buscam agir para frear a contaminação, o presidente vai ao STF para coibir ações de restrição a circulação.
Há um vácuo na presidência da República, a cadeira é ocupada pelo rasteiro, vazio, pela ingerência. Bolsonaro age buscando manter seu discurso vivo, mas para o discurso viver há um preço altíssimo sendo pago. E mesmo diante do indescritível preço, o discurso se desmancha, o governo se esvaio. Bolsonaro quer manter-se no poder. Enquanto ele estiver ocupando o assento do Planalto, haverá uma mancha vermelha espalmada no solo brasileiro. Já se foram mais de 294 mil vidas.