São meses desde que o primeiro caso de coronavírus foi identificado no Brasil, quase quatro meses para ser mais exato. Neste período uma escalada dos números pôde facilmente ser observada, fato incontestável quando se observa o país ocupar o terceiro lugar no mundo em número de mortes e casos. Na manhã deste sábado, 06, são mais de 650 mil casos notificados, além de mais de 35 mil vidas perdidas. O Brasil abriga o novo epicentro da Covid-19 no planeta, situação complexa e dura, especialmente quando a vertiginosa subnotificação aponta que os números são no mínimo cinco vezes maiores que os dados oficiais.
A subnotificação não é uma exclusividade brasileira, no entanto, a baixa capacidade de testagem instalada e ausência de uma ação conjunta coordenada pelo executivo federal, vem consolidando o avultamento dos dados ocultos no país. Para situar esse espectro de testagem, é preciso posicionar um exemplo claro, o estado do Ceará, que mais testa em todo país, realiza somente 538 exames para cada 100 mil habitantes. Este número entra em uma decrescente e atinge o menor patamar no Rio de Janeiro, o estado realiza apenas 75 testes a cada 100 mil habitantes.
Este prólogo fundamental para justificar a necessidade de uma divulgação clara, transparente o objetiva dos dados de Coronavírus no país. Essa divulgação tem por objetivo manter a sociedade informada diante da maior crise da saúde dos últimos cem anos. Tal publicização é necessária para que os dados sejam analisados e aplicados em estudos e projeções, para que assim o amanhã possa ser melhor pensado e planejado. Divulgar os números diários da Covid-19 deve ser obrigação do Estado e daqueles que o compõem. Dizer quantas vidas foram perdidas é dizer em que degrau da dor a nação está. Não dizer não oculta a morte, a ausência do Estado, nem a negligencia do Governo; pelo contrário, a exacerba.
Exacerbação que vem crescendo desde o início da última semana, quando o Ministério da Saúde, sem ministro titular a quase um mês, passou a atrasar sistematicamente as atualizações sobre a pandemia em sua plataforma virtual. O auge do atraso ocorreu ontem, 05, quando o boletim saiu somente às 21h43. Quando questionado sobre os sucessivos atrasos que vinham ocorrendo na divulgação, o presidente afirmou que “acabou matéria no Jornal Nacional”. Todavia, a Rede Globo realizou um Plantão de última hora, interrompendo a telenovela das 21h, e exibiu os dados do ministério. O Plantão ancorado por Willian Bonner obteve mais audiência do que o primeiro bloco do JN, quando normalmente os dados são reportados ao público.
Essa situação é vexatória, o país e seus líderes deveriam estar preocupados com a crescente de casos e a perigosa subnotificação. Especialmente porque o atraso na publicização prejudica os telejornais, mas a subnotificação prejudica a vida e significa a proliferação da morte. É urgente que o executivo compreenda seu papel e aja como deve agir, assumindo seu lugar de líder e buscando que a vida seja o ponto relevante.
A narrativa do Governo Federal é cada vez mais perigosa, reflexo da ignorância e da sanha autoritária que reside no Palácio do Planalto. Sanha que irá buscar todos os meios possíveis para ‘justificar’ seus injustificáveis posicionamentos. O site que atualiza os dados da pandemia no Brasil está fora do ar, o Ministério da Saúde informou que irá recontar o número de mortos, pois segundo a pasta os dados atuais são fantasiosos. De fato, há um ar de fantasia, entretanto, não pela perspectiva do Governo. A fantasia reside na falsidade dos números, pois eles estão longe de refletir a realidade, longe de darem conta dos brasileiros infectados e mortos. Há uma fantasia consistente, nessa fantasia o executivo federal está distante da vida, enxerga a realidade, mas finge estar de olhos vendados.
Nesta fantasia é fundamental que haja uma imprensa livre e pronta a exercer seu papel, e assim informar sem medo ou receio. Informar para que o espectador seja capaz de construir suas percepções e posições. A narrativa fantasiosa do presidente precisa urgentemente ser desmontada. Desmonte que far-se-á com uma sociedade vigilante e com uma imprensa corajosa.
Os desenhos que se fazem no hoje são os desenhos de um passado não tão distante. Um passado de porões sujos e marcados pela tortura, exclusão e dor. As mazelas dos anos de chumbo não podem retornar no presente, as instituições democráticas precisam se fortalecer, agir com coerência e altivez. Precisam contrariar a lógica de sua fragilidade. A democracia brasileira não pode sucumbir a mais um período de exceção. Paira sobre o território nacional uma nuvem densa, essa nuvem vem ameaçando chover e, infelizmente, essa chuva tende a ser perigosa.
Defronte a tudo isso, esta coluna adverte: cego por tramoias ideológicas vazias e sem sentido, o Governo quer recontar a situação do coronavírus no Brasil. Recontagem que provavelmente mostrará um país de maravilha. Como tudo no Governo, esse país também é fake.