A rezadeira de batom vermelho

Quais os desejos que podem se esconder depois de uma certa idade? A tradição das rezadeiras pode nos revelar contradições e sentimentos comunais. Afinal somos uma reza de contradições.




Coluna do Alexandre Lucas, Colunas

Um batom vermelho passado sem olhar no espelho. Em cada mão, anéis e pulseiras coloridas. Rosto de quem já aguentou muito e conversas desencontradas que se encontram pelas ruas.  Uma casa cheia de mulheres, algumas de colo, outras querendo abraços. Já passa dos 50 há um bom tempo, tem bisneta, talvez esse seja o sinal de quem ultrapassa os 50.  

Dona Léo é dessas pessoas que não negam a fala, fala na ida, na vinda e se passar de novo, fala na ida e na vinda, só não consegue falar pelos cotovelos.  Fala com quem já conhece e com quem nunca apareceu.
Sua fala inicia assim:        
“Que o divino espírito santo lhe ilumine e toda a sua família”.  
E termina do mesmo jeito:  
“Que o divino espírito santo lhe ilumine e toda a sua família”. 
Dona Léo conhece mais a rua que sua casa. Ela e o divino espírito santo andam muito e juntos, não sei por que as coisas não se iluminam, falta de pedido não é, porque Dona Leo pede sempre: “Que o divino espírito santo lhe ilumine e toda a sua família”.  

Enquanto Dona Léo distribui o espírito santo pelas ruas, seu olhar procura estrelas e brilhos. Será que ela tem um baú para guardar estrelas e brilhos? 
Tenho baús em casa, em nenhum tem estrelas ou brilhos, além de poeira, tem algumas histórias que só se descobre se eu contar, deve ser como o olhar de Dona Léo, que pode procurar qualquer coisa, inclusive um beijo na boca.  
Hora e outra alguém visita Dona Léo só para receber galhadas de amor. 
Quando era criança minha mãe me levava com frequência na casa de uma outra mulher que me dava galhadas na testa, nos ombros e no peito, falava coisas que eu não entendia, rezava. Ela dizia que era para eu ficar bom, não sei se ficava, mas minha mãe acreditava.    
Entre a rua e a casa, entre os galhos de folhas, os anéis, as pulseiras e aquele batom vermelho, passado sem olhar no espelho, Dona Léo sai falando mais que:  “Que o divino espírito santo lhe ilumine e toda a sua família”.